Renúncia do mandato. Sair enquanto é tempo

O nosso Estatuto Deontológico diz que o advogado deve recusar patrocínios que considere injustos e não prestar serviços quando suspeitar seriamente que a operação ou atuação jurídica em causa visa a obtenção de resultados ilícitos. Salvo, o devido respeito o que diz o Estatuto é certo mas é muito curto. O advogado deve também recusar o patrocínio a clientes que julgam saber tudo, àqueles que têm expectativas pouco razoáveis quanto à viabilidade da sua pretensão, e ainda aqueles que já trocaram de advogado três vezes antes de o tentar contratar. Não estou a gracejar: é um prazer trabalhar com pessoas inteligentes. Torna o nosso trabalho mais fácil quando representamos clientes que fazem bem o seu “trabalho de casa” e chegam ao escritório com as perguntas certas. Mas há uma linha que separa o cliente que se pretende manter informado e ativo nos seus assuntos daquele que quer dirigir o processo, o advogado, ou até mesmo ser o advogado. É uma linha que não podemos deixar ninguém cruzar em nome da nossa autonomia técnica e independência, mas sobretudo e no fim do dia, da nossa própria sanidade mental.

Deixo umas notas de experiência para sobreviver a um cliente abusivo.

Primeiro, não aceite o patrocínio. Mesmo nestes tempos de crise o distinto colega que me esteja a ler não tem que aceitar cada cliente que lhe entra pela porta, não importa o quão necessitado, simpático ou poderoso possa ser. Na verdade, não raro tem a obrigação ética de dizer “não”.

Segundo, se aceitou o patrocínio e só mais tarde se apercebeu do tipo de cliente que tinha do outro lado da mesa, ainda não é tarde para renunciar ao mandato ou pedir escusa do patrocínio oficioso. As pessoas não melhoram com o tempo e o cliente furioso que demoniza a outra parte – ou o sistema judicial em geral – nunca ficará satisfeito.

Terceiro, aprenda a identificar os sinais de alarme. Os clientes que foram rejeitados por todos os outros colegas e que injuriam o seu anterior mandatário na praça pública (ou o colega da parte contrária), os que conhecem um Juiz amigo que lhes disse como o processo devia ser conduzido e os tiraram o curso de Direito pela televisão ou na Internet são um desastre à espera de acontecer. O colega pesará os riscos e os benefícios. Mas o lugar-comum de que nas costas dos outros vemos as nossas é aqui muito bem aplicado.

Quarto, não deixe frustrar mesmo o que parece ao seu cliente um mau acordo. Não me lembro nestes anos que levo de advocacia que um cliente me tenha elogiado pelo acordo obtido. Um acordo implica cedências reciprocas e para o cliente isso é sempre mau (e culpa do advogado…). Quando o cliente diz “isso não é sobre o dinheiro, é uma questão de princípio” está a mentir. Lá no fundo – mesmo na irracionalidade do litígio – há sempre uma  possibilidade de compromisso. Ainda que uma réstia. E se não há alguma coisa de muito grave se passa com o cliente. Saia enquanto pode.

Não vos quero parecer cínico. Não tenho idade ou estatuto para isso. E na maior parte dos casos forjam-se na relação entre advogado e cliente amizades para toda a vida. Mas há sempre aquelas exceções para as quais temos de estar preparados. Até para não azedarmos para a vida.

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