O desencanto com o exercício da advocacia é muito comum entre os jovens licenciados em direito que se encontram a realizar o seu estágio na Ordem dos Advogados. Em Portugal não conheço estudos sobre esta matéria mas é gritante a desproporção entre o número de inscritos no estágio e aqueles que vencem com sucesso a sua agregação (menos de 30% no Conselho Distrital de Lisboa). Nos Estados Unidos um estudo da American Bar Association revela um enorme descontentamento com a profissão sobretudo entre os mais novos.
Com sinceridade acho que muitos jovens licenciados em Direito escolhem a carreira pelas razões erradas e que antes de embarcarem na viagem demorada, cara e exigente do estágio deveriam procurar educar-se sobre as realidades da prática jurídica. Neste artigo procurarei dar um contributo desapaixonado (e provavelmente cruel a espaços) da realidade que vos espera.
Um.O caminho mais curto nem sempre é o que te faz chegar primeiro. O estágio é longo. Demasiado longo e pouco orientado para prática (se querem saber a minha opinião). Mas isso não significa que que o estagiário deva procurar atalhos na sua carreira. Realizar o estágio numa empresa multinacional de cobranças em massa pode trazer retorno financeiro imediato mas é um pobre opção de carreira porque te afasta de qualquer prática profissional relevante. Isto para além ficar mal em qualquer curriculum (já para não falar do constrangimento ideológico à face da Lei dos atos próprios dos Advogados e Solicitadores).
Dois. O tempo é o teu maior património. Usa-o bem. Mas não deixes de o usar com parcimónia. O candidato à advocacia que engoliu o relógio raramente chega ao fim do estágio. “Um advogado não tem horas” escreveu Ary dos Santos. (Ary dos Santos, Nós os Advogados, 1934). “As suas horas são as dos seus clientes, e cada cliente é um patrão que entende que o seu assunto deve passar por cima de todos os outros”. No estágio deves ser o primeiro a chegar e sair com o último dos teus colegas porque muito que isso te prive do convívio do familiares e amigos, do último festival de música ou do próximo derby do teu clube do coração.
Três. A advocacia não é um caminho garantido para o sucesso financeiro. Muito pelo contrário a maioria dos advogados que conheço têm empobrecido alegremente nos últimos anos vitimas da crise, da desjudicialização dos litígios, do desinvestimento público no setor e da desvalorização do ato jurídico (e de tantas outras razões que não cabem nesta artigo; algumas relacionadas com a sua auto-organização e com a organização da nossa Ordem profissional). E se dividires o número de horas que a profissão te exige (60-80 horas por semana pelo menos segundo o estudo supracitado) mesmo os maiores honorários que vieres a receber não parecerão tão generosos.
Quatro. Os advogados não têm uma vida glamourosa e emocionante. A vida de um advogado é mal retratada em programas de televisão. A maioria do nosso trabalho ocorre fora do tribunal (com exceção do Direito Penal menos de um por cento de todos os assuntos tratados num escritório de advogados avança para julgamento). A grande maioria dos casos são resolvidos fora do tribunal por transação ou através de métodos alternativos de resolução de litígios pelo que o nosso quotidiano é bastante monótono. E não há espaço para solistas engraçadinhos, ao contrário do que te querem vender no Suits. Num dos blockbusters deste Verão “Os Guardiões da Galaxia” da Marvel a personagem Groot, uma árvore humanoide, não tarda a aprender como tu a conjugar “nós” em vez de “eu”. Não há volta a dar: vais passar nos próximos anos longas horas a rever vezes sem conta tediosos documentos e depressa compreenderás que no teu escritório de advocacia pouco ou nada gira à volta do teu umbigo.
Cinco. O estágio não serve para aprenderes direito. O tempo dos matraquilhos na Faculdade de Direito, das borgas com os colegas e dos indecifráveis doutos ensinamentos presos com cuspo já passou. O estágio não é um mestrado feito no escritório do patrono. E o mestrado pós Bolonha é (infelizmente) uma forma das Faculdades de Direito ganharem dinheiro à tua conta e que a Ordem tem para contornar o problema de excesso de candidatos à entrada da profissão. No fim de cada dia o estágio é uma preparação para a profissão onde as aptidões que tens de demonstrar são tua produtividade e rentabilidade. Não saber não é desculpa para não ires à procura da solução; ainda que tenhas que dedicar a um assunto mais tempo que os teus colegas.
E, por último, mas não menos importante,
Seis. O advogado não defende só causas justas e pessoas inocentes. E não obstante um advogado poder (e dever) ser um instrumento de mudança social, o litígio tem quase sempre menos a ver com a virtude triunfando sobre o mal e mais com a defesa posição do teu cliente com base nos factos e na legislação aplicável. Desengana-te que não vais conseguir mudar o mundo a partir das quatro paredes do escritório do teu patrono. As decisões judiciais não são tanto sobre a procura da justiça ou do certo contra errado como sobre o alcance de um acordo socialmente aceitável entre todas as partes.
Desculpam-me a frontalidade: mas se estas linhas te chocam estás enganado na tua escolha profissional e ainda vais muito a tempo de mudar de vida…