Admissibilidade e valoração de vídeo de crime

(1). Existem fundadas dúvidas na jurisprudência, doutrina e prática judiciária quanto à admissibilidade e valoração da junção ao processo penal em curso de um video com gravação dos atos objeto do processo por parte dos arguidos. Mas é também uma situação cada vez mais comum processualmente num tempo em que com um simples smartphone se consegue reproduzir com muito qualidade de imagem e som o momento em que os factos em discussão no processo ocorreram. A situação é transversal a todas as áreas de direito mas ganha particular acuidade em processo penal (veja-se por exemplo as situações em que terceiros filmam uma intervenção policial num bairro social ou à porta ou até o caso recente reportado na comunicação social em que um casal pratica atos sexuais durante o dia num parque  na presença de um menor) e sobretudo quando é o próprio arguido a juntar ao processo o video gravado para sua defesa.

A questão controvertida centra-se na eventual qualificação da gravação em vídeo como constituindo prova proibida, uma vez que poderá ter sido obtida através dos métodos previstos no art. 32º, nº 8 da CRP (“abusiva intromissão na vida privada”).

Vejamos com mais detalhe,

(2) Costa Andrade, relativamente ao art. 199º do Código Penal, referente às gravações e fotografias ilícitas, tem defendido que estes bens jurídicos são violados, quer a pessoa grave/filme/fotografe outrém sem o seu consentimento, ou as utilize, ainda que as tenha obtido lícitamente. Esta tese é ainda hoje maioritária e teve expressão no recente no chamado caso “Braga Parques”, através do qual o Tribunal da Relação atendeu, por inteiro, o parecer do Prof. Costa Andrade, em que este escreve que os fins não justificam os meios e que importa, proteger acima de tudo, os direitos à palavra e à imagem. Pronuncia-se o autor contra a chamada “privatização da investigação”.

Contudo, tem sido aceite por outra doutrina e jurisprudência que quando determinada prova é o único meio disponível em ordem à descoberta da verdade e de acordo com o princípio da proporcionalidade e o bem jurídico violado (pela obtenção da prova ilícita) no caso concreto se mostrar menos digno de proteção do que aquilo que se visa provar, estará aberta a porta à excecional admissão da prova ilícita.

Esta jurisprudência tem considerado que as gravações ou fotografias, mesmo sem o consentimento do visado, feitas em locais públicos ou de acesso ao público, não correspondem a qualquer método proibido de prova, quer por não violarem o núcleo duro da vida privada – e portanto, faz sentido a ideia de “proporcionalidade “ – quer por existir uma justa causa na sua obtenção, que é a de documentarem a prática de uma infracção criminal.

(3) Situação ainda mais complexa surgeno caso da junção do vídeo por parte do arguido para a sua defesa e admitido como meio de prova em termos de proporcionalidade vier a demonstrar ou incluir matéria incriminatória para o próprio arguido.

A nosso ver, o arguido ao juntar  ao processo vídeo que contenha matéria suscetível de o responsabilizar no plano jurídico penal esta a confessar os factos pelo que a gravação deve ser valorada de acordo com o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz.

Como sabemos, o direito à não auto-incriminação apenas respeita às perguntas sobre factos imputados ao arguido, cuja resposta possa, previsivelmente, resultar a sua responsabilização. Nesse caso, vale o direito ao silêncio. Já quando é o próprio arguido que vem ao processo por dever de colaboração juntar factos e elementos que o incriminam essa prova deve ser admitida e valorada. Sobretudo no caso em que os arguidos não se acometeram ao silencio como poderiam.

(4) Outra situação limite é a aceitação do vídeo como meio de prova por parte do Tribunal e a sua não apreciação e valoração no âmbito da sentença a proferir. A nosso ver, o vídeo após ter sido admito deve ser livremente valorado pelo juiz, mas como qualquer outro meio de prova deve ser valorado pelo que a inexistência de qualquer referência ao mesmo na sentença será susceptível de omissão de pronuncia e susceptível de recurso com esse fundamento.

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