Proteção Jurídica. Em especial da prova dos rendimentos do agregado familiar

A atribuição de proteção jurídica aos cidadãos está prevista na Lei n.º 34/2004, de 31 de agosto (adiante, lei de acesso ao Direito e aos Tribunais) que estabelece os critérios para a mesma ao abrigo do Princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.  

Dispõe o artigo 7.º da suprarreferida lei de acesso ao Direito e aos Tribunais que “Têm direito a protecção jurídica, nos termos da presente lei, os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro da União Europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica”. 

Importa ainda o n.º 1 do artigo 8.º-B da mesma lei, do qual se retira que “A prova da insuficiência económica é feita nos termos a definir por portaria conjunta dos ministros responsáveis pelas áreas da justiça e da segurança social”. 

A portaria a que se alude no preceito legal supratranscrito no número anterior é a Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de agosto que veio fixar os critérios de prova e apreciação da insuficiência económica para efeitos de pedido de proteção jurídica.  

Ora, diz-nos desde logo o n.º 1 do artigo 3.º daquela Portaria sob a epígrafe «Documentos relativos ao rendimento» que “Os factos relativos ao rendimento do requerente e das pessoas do seu agregado familiar são acompanhados das cópias da última declaração de rendimentos para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) que tenha sido apresentada e da respectiva nota de liquidação, se já tiver sido emitida, ou, na falta da referida declaração, de certidão emitida pelo serviço de finanças competente”. 

Existe um simulador no site da Segurança Social que permite aos cidadãos verificarem se são elegíveis a proteção.

2023 – 1º semestre – seg-social.pt

Contudo, perece resultar do simulador e do diploma legal que fixa os documentos que servirão de prova ao requerimento de proteção jurídica o necessário englobamento dos rendimentos do agregado familiar, o que afastaria do benefício aqueles que embora residindo com outros ou mesmo partilhando algumas despesas prendam solicitar o apoio para uma questão jurídica iminentemente pessoal (veja-se por exemplo o caso das pessoas que vivem em economia comum)

Tal interpretação dos serviços da Segurança Social sempre nos pareceu violar o princípio constitucionalmente consagrado do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, e em 2018 o Tribunal Constitucional decidiu:

” Interpretar, ao abrigo do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da LTC, o conjunto normativo integrado pelo Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, conjugado com o artigo 8.º-A, n.º 6, da mesma Lei, como conferindo ao requerente de proteção jurídica a possibilidade de solicitar que a apreciação da sua insuficiência económica tenha em conta apenas o seu rendimento, património e despesa permanente ou o rendimento, património e despesa permanente dele e de alguns elementos do seu agregado familiar”

Ver TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 11/2019 . (tribunalconstitucional.pt)

Deste modo, entendemos que os rendimentos do agregado familiar podem ou não ser integrados no rendimento elegível quando em benefício do candidato à proteção e de acordo com o seu critério.

O que muda no Contrato de Serviço Doméstico

No momento em que escrevemos estas linhas o contrato de serviço doméstico rege-se ainda pelo disposto no Decreto-Lei Nº 235/1992, de 24 de Outubro. Ao diploma – que sofrerá alterações profundas em breve – previa já a redução a escrita, a existência de descontos para a segurança social, normas especiais quanto ao período normal de trabalho (aferido em termos médios – artigo 13º) e até quanto ao direito a férias (artigo 16º).

A chamada Agenda do Trabalho Digno, cujos diplomas foram aprovados a 10 de Fevereiro de 2023, inclui várias alterações ao Código do Trabalho e demais legislação laboral nomeadamente no que diz respeito ao trabalho doméstico — desde a criminalização do trabalho não declarado (com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias) até à aplicação subsidiária de várias normas do Código de Trabalho. A versão final terá ainda de ser promulgada pelo Presidente da República, estimando-se que possa entrar em vigor em meados de Abril de 2023.

Aqui ficam em síntese as principais alterações: 

Período normal de trabalho e descanso: o período normal de trabalho passa a ter como limite 40 horas semanais, em vez de 44, continuando a poder ser aferido em termos médios. O trabalhador alojado em casa tem direito a um repouso noturno de, pelo menos, 11 horas consecutivas (em vez de oito);

Compensação por cessação de contrato: na cessação de contrato a termo quando este ocorre por não renovação o empregador passa a ter de pagar uma compensação que será de 24 dias de salário base por ano trabalhado;

Novo pré-aviso justificado: se contrato caducar por “manifesta insuficiência económica do empregador” ou por “alteração substancial das circunstâncias de vida familiar do empregador que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, o empregador terá de avisar com a antecedência de 7 dias (caso o contrato tenha durado até seis meses), 15 dias (seis meses a dois anos) ou 30 dias (mais de dois anos), indicando o motivo;

Período experimental e aplicação do código: o período experimental do trabalhador, que é é de 90 dias, pode ser de 15 ou 30 dias nos contratos a termo. A aplicação subsidiária do Código do Trabalho também leva à aplicação dos regimes de parentalidade, férias, Natal, trabalho suplementar ou faltas, entre outros.

Retribuição, suspensão e resolução do contrato de trabalho

O contrato de trabalho é um negócio jurídico oneroso, pelo que, como contrapartida da prestação do trabalho por parte do trabalhador, existe uma prestação de cariz patrimonial a cargo do empregador, considerando o Código do Trabalho que por retribuição deve entender-se “a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho” (art. 258º, n 1, do Código do Trabalho).

Determina, ainda, o mesmo artigo no seu nº 3, que por retribuição deve presumir-se qualquer prestação do empregador ao trabalhador

Pela prestação do seu trabalho o trabalhador adquire um crédito retributivo, que se vence “por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês do calendário” (art. 278º, nº 1, do Código do Trabalho), devendo ser paga “em dia útil, durante o período de trabalho ou imediatamente a seguir a este” (art. 278º, nº 2, do Código do Trabalho).

Com efeito, a retribuição deve ser paga em dia útil, especificando, ainda, o Código do Trabalho em relação ao montante da retribuição que este “deve estar à disposição do trabalhador na data do vencimento ou em dia útil anterior” (art. 278º,nº 4, do Código do Trabalho), constituído contraordenação grave a violação deste artigo (art. 278º, nº 6, do Código do Trabalho).

Nessa medida e tendo em conta o vencimento base mensal, o pagamento ao trabalhador deve ser efetuado até ao último dia útil do mês a que diz respeito.

De igual modo, na ausência de pagamento do vencimento nas datas supra indicadas e caso decorra um prazo superior a 15 dias, pode o trabalhador suspender por sua iniciativa o contrato de trabalho e caso tal mora não cesse no período de 60 dias, proceder à resolução do contrato de trabalho por justa causa.

Licença sem vencimento

A licença sem vencimento, prevista no artigo 317 do Código do Trabalho, permite que o trabalhador se ausente após autorização devida do empregador para o efeito, por um determinado período.

Enquanto esse período durar, o trabalhador está dispensado do cumprimento das suas funções, sendo também suspensos os direitos e deveres associados à relação efetiva de trabalho com a sua entidade patronal, incluindo o recebimento de salário, apesar do vínculo laboral se manter. 

O período de pedido da licença sem vencimento deve obedecer ao cumprimento da antecedência mínima de 90 dias tendo em atenção a data de início do respetivo gozo desta licença.

Os efeitos no contrato de trabalho da licença sem vencimento são determinados pela suspensão com efeitos práticos do contrato de trabalho, mantendo-se na mesma os direitos, deveres e garantias de todas as partes desde que não pressuponham a efetiva prestação do trabalho a efetuar, tal como está previsto no artigo 295 do Código do Trabalho, sendo que, a licença sem vencimento conta para efeitos de antiguidade em termos de anos de empresa. 

O pedido de licença sem vencimento pode ser recusado pela entidade empregadora, nas seguintes situações: 

– Nos 24 meses anteriores, o trabalhador tenha recebido autorização de licença sem vencimento para fins de estudos ou formação profissional;

– O trabalhador esteja na empresa há menos de três anos;

– O pedido de licença no prazo a que está sujeita não ter sido respeitado;

– Caso se trate de uma microempresa e, nesse caso não, se verificar possível a substituição do trabalhador;

Quando se tratar de trabalhadores altamente qualificados, com cargos de chefia e gestão, não se prevendo a possibilidade da sua substituição durante o período em que decorrer a licença.

Importa, contudo, ter em atenção que se tratando de um contrato de trabalho a termo certo, a concessão da licença sem vencimento, ainda que suspenda o contrato de trabalho conta como tempo de trabalho, pelo que, deverão ter a certeza se após o período de licença sem vencimento, o contrato a termo poderá converter-se em contrato de trabalho sem termo, caso o prazo das renovações seja excedido.

O trabalhador deverá dirigir uma missiva, por meio de carta registada com aviso de receção à empresa e também a entidade deverá responder de forma afirmativa ou negativa, também por meio de carta registada

No que concerne ao processamento da remuneração, deverá ser comunicada aos serviços de contabilidade que o trabalhador em causa está em período de licença sem vencimento, uma vez que, a entidade empregadora não possui a obrigação de pagamento da remuneração, como se o contrato estivesse suspenso.

Legitimidade passiva no caso de não entrega dos registos de Contabilidade

Discute-se neste artigo a quem pertence a legitimidade passiva relativamente a uma ação movida pela falta de entrega da contabilidade ao novo contabilista por parte do anterior. A questão tem pertinência em face das múltiplas formas de organização previstas no estatuto da OTOC que permite que pessoa ou entidade diversa do contabilista possa ser responsável pela contabilidade, designadamente uma empresa. E a dúvida que se suscita nestes casos é precisamente quem deve responder pela falha: a empresa com a qual o cidadão celebrou a prestação do serviço, o contabilista responsável pelo dever deontológico, ou ambos.

Dispõe o artigo 30.º do CPC “1 – O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. 2 – O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3 – Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”. 

Mais ainda, dispõe o artigo 4.º do Código Deontológico dos Contabilistas Certificados, com a epígrafe Independência e conflito de deveres que 1 – O contrato de trabalho celebrado pelo contabilista certificado não pode afetar a sua isenção nem a sua independência técnica perante a entidade patronal, nem violar o Estatuto dos Contabilistas Certificados ou o presente Código Deontológico

Acrescenta o artigo 5.º, sob a epígrafe Responsabilidade, que 1 – O contabilista certificado é responsável por todos os atos que pratique no exercício das profissões, (…)

E, ainda, estipula o artigo 10.º, sob a epígrafe Confidencialidade que 1 – Os contabilistas certificados e os seus colaboradores estão obrigados ao sigilo profissional sobre os factos e documentos de que tomem conhecimento no exercício das suas funções, devendo adotar as medidas adequadas para a sua salvaguarda. 2 – O sigilo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo. 3 – A obrigação de sigilo profissional não está limitada no tempo, mantendo-se mesmo após a cessação de funções”. 

Por fim, esclarece o artigo 16.º, sob a epígrafe Lealdade entre contabilistas certificados que 1 – Nas suas relações recíprocas, os contabilistas certificados devem atuar com lealdade e integridade, abstendo-se de atuações que prejudiquem os colegas e a classe”. 

Em face deste excerto legislativo somos de opinião que a nova contabilista de um cidadão o deve fazer à anterior contabilista e não a uma sociedade terceira com que o cidadão contratualizou. E com base nestas considerações é a contabilista e não a empresa a titular da legitimidade passiva em Tribunal.

Na verdade, mesmo que o cidadão tenha celebrado contrato de prestação de serviços com a sociedade e não com a contabilista, este não prejudica a independência e isenção desta.

Explica o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 5968/16.2T8VNG.P1, de 18/09/2017, que “Face à previsão da lei – art. 30º CPC – para efeitos de aferir da legitimidade interessa apenas a relação jurídica controvertida com a configuração subjetiva que o autor (unilateralmente) lhe dá.  

Desta forma, se o pedido se destina à devolução dos documentos contabilísticos e é obrigação legal da contabilista a sua preservação e entrega, são sujeitos da pretensão formulada em Tribunal o cidadão e a contabilista.

Pode uma deliberação da Assembleia de Condóminos ser anulada nos Julgados de Paz?

O valor da causa é fixado nos Julgados de Paz nos precisos termos do Código de Processo Civil aplicável por remissão do artigo 63º da Lei dos Julgados de Paz. Dispõe o art.º 296 nº 1 do Código de Processo Civil que “a toda causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”.

Resulta do citado preceito que a “utilidade económica” imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa (Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 543 escreve que há, porém, que ter em conta que o pedido se funda sempre na causa de pedir, que o explica e o delimita. Dela – conclui aquele Mestre – não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para apuramento do valor da causa…Tal como o pedido desligado da causa de pedir não basta à determinação do valor da ação, também a causa de pedir, por si, não o determina…”(sublinhado nosso) 

Por sua vez, preceitua o artigo 301º do Código de Processo Civil que “quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atender-se-á ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes”.  

E por último, o artigo 303º do Código de Processo Civil estabelece que “as ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01” 

Ora, caso a deliberação a anular tenha como base a validade da deliberação (por exemplo deliberação estranha à convocatória ou tomada com falta de quórum) ou um interesse não quantificável não nos parece possível fazer intervir o Julgado de Paz.

Na verdade, as ações sobre interesses imateriais compreendem as ações cujo objeto não tem expressão pecuniária, as ações cujo benefício não pode traduzir-se em dinheiro (ALBERTO DOS REIS, «Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª edição, pág. 414»). 

Encontramos na nossa jurisprudência unanimidade em considerar que “numa ação em que é pedida a anulação de todas as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos, onde, entre outras, estão em causa questões inerentes à validade da sua convocatória, terá de se entender, para efeitos de atribuição do valor à ação, estarmos face a situação que visa a salvaguarda de valores imateriais, correspondendo-lhe, por isso, o valor de 30.000,01€. (V. Acórdão da Relação de Lisboa 20-09-2013). 

A resposta em princípio é afirmativa. A matéria enquadra-se no diploma dos Julgados de Paz. Mas atenção ao conteúdo da deliberação que pode exceder o valor da competência que lhes é atribuída. Vejamos.

O valor da causa é fixado nos Julgados de Paz nos precisos termos do Código de Processo Civil aplicável por remissão do artigo 63º da Lei dos Julgados de Paz. Dispõe o art.º 296 nº 1 do Código de Processo Civil que “a toda causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”.

Resulta do citado preceito que a “utilidade económica” imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa (Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 543 escreve que há, porém, que ter em conta que o pedido se funda sempre na causa de pedir, que o explica e o delimita. Dela – conclui aquele Mestre – não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para apuramento do valor da causa…Tal como o pedido desligado da causa de pedir não basta à determinação do valor da ação, também a causa de pedir, por si, não o determina…”(sublinhado nosso) 

Por sua vez, preceitua o artigo 301º do Código de Processo Civil que “quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atender-se-á ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes”.  

E por último, o artigo 303º do Código de Processo Civil estabelece que “as ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01” 

Ora, caso a deliberação a anular tenha como base a validade da deliberação (por exemplo deliberação estranha à convocatória ou tomada com falta de quórum) ou um interesse não quantificável não nos parece possível fazer intervir o Julgado de Paz.

Na verdade, as ações sobre interesses imateriais compreendem as ações cujo objeto não tem expressão pecuniária, as ações cujo benefício não pode traduzir-se em dinheiro (ALBERTO DOS REIS, «Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª edição, pág. 414»). 

Encontramos na nossa jurisprudência unanimidade em considerar que “numa ação em que é pedida a anulação de todas as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos, onde, entre outras, estão em causa questões inerentes à validade da sua convocatória, terá de se entender, para efeitos de atribuição do valor à ação, estarmos face a situação que visa a salvaguarda de valores imateriais, correspondendo-lhe, por isso, o valor de 30.000,01€. (V. Acórdão da Relação de Lisboa 20-09-2013). 

Divisão de fração e alterações à linha arquitectónica do edifício

1. Maioria de aprovação

A aprovação de inovações/alteração da linha arquitetónica do edifício apenas necessita de uma aprovação por uma maioria de 2/3 do capital do prédio, ainda que possam existir votos contra, de acordo com o disposto no artigo 1422.º n.º 3 e no artigo 1425.º n.º 1, ambos do Código Civil e que passamos a transcrever. 

Artigo 1422.º n.º 3 do Código Civil – 3 – As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.” 

Artigo 1425.º n.º 1 do Código Civil – “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.” 

Pelo que, a existência de um voto contra não obsta à aprovação das inovações propostas e das obras que implicavam a alteração da linha arquitetónica do prédio. 

2. Divisão de uma fração autónoma

No que concerne à questão da divisão de uma fração autónoma, de acordo com o artigo 1422.º A do Código Civil n.º 3 “Não é permitida a divisão de fracções em novas fracções autónomas, salvo autorização do título constitutivo ou da assembleia de condóminos, aprovada sem qualquer oposição.” 

Contudo, existem exceções relacionadas com as chamadas obras de inovação.

O Tribunal da Relação de Lisboa refere no seu acórdão de 15/12/2011 que “I – Em matéria de “obras novas” realizadas pelos condóminos o legislador optou por não definir o que são obras “inovadoras” nem consagrar na lei o que deve entender-se por inovação. II – Deixando, e bem, esse papel para a jurisprudência, que deverá, caso a caso, enquadrar no referido conceito as obras que os condóminos realizarem e que, em face do caso concreto e das circunstâncias fácticas apuradas, possam ser consideradas como tal. III – Se atentarmos no próprio significado etimológico da expressão, concluímos que “inovar” é nada mais, nada menos, do que “criar”, “fazer algo de novo”, “trazer algo de novo” àquilo que está. Portanto, obras inovadoras serão aquelas que trazem algo de novo ao que está, algo de “criativo”, introduzindo uma “novidade”, ou seja, algo diferente daquilo que está. IV – Inovadoras serão também aquelas obras que alteram a edificação no seu estado original, modificando o seu estado primitivo. Com alterações que tanto podem ser de substância, como de forma, em modificações relativas ao seu destino ou afectação da fracção do imóvel ou das partes comuns do edifício.” 

3. A questão do prejuízo para as demais frações

No caso de divisão de uma fração podem ainda colocar-se questões sobre a existência de menos-valias com a eventual alteração do uso da fração autónoma.

Sucede porém, que a eventual alteração do uso da fração importará não só uma prévia aprovação por parte da Câmara Municipal, como também a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, levando à necessidade de uma nova deliberação por unanimidade dos condóminos nesse sentido. 

O carácter imperativo da norma do n.º 1 do artigo 1419.º do Código Civil implica a nulidade de qualquer alteração da finalidade a que se destinam as frações (artigo 294.º do Código Civil). 

Sendo que, o artigo 1422.º, n.º 2, alínea c), do Código Civil estabelece que fica vedado aos condóminos dar à sua fração uso diverso do fim a que é destinado. O atual ou futuro proprietário da fração autónoma tem a liberdade de gerir a sua propriedade, por qualquer forma, desde que, respeite o uso da fração e a legislação que regula a sua atividade, sendo que, a realização de obras que possam ou não levar ao suprimento da piscina interior terão de ser previamente autorizadas pela Câmara Municipal. 

4. A questão da revogação da deliberação de divisão da fracção.

Por último, poderão os condóminos colocar à discussão e votação uma eventual revogação ou modificação da deliberação tomada na assembleia que aprova a divisão da fração, ainda que salvaguardados eventuais direitos adquiridos,

Nessa medida, explana o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 20 de Março de 2012 que “I – A deliberação validamente constituída numa assembleia de condóminos só deixa de vigorar se uma outra deliberação, validamente formada e adoptada, a vier a derrogar, modificar ou substituir por outra que lhe retire eficácia deliberativa. II – Uma deliberação vale e adquire eficácia para aqueles que nela intervieram e puderam, validamente, discutir a sua formação e constituição, como acto de vinculação externa e como regra de conduta interna. III – O condómino que pretenda afastar uma deliberação terá que, para o efeito, proceder de modo a provocar uma assembleia, convocada para o efeito e com ponto de discussão específico da problemática a derrogar, sob pena de a omissão deste procedimento obviar a que em assembleia convocada para a discussão e tratamento de outras matérias possa vir a ser formada uma deliberação que tenha como pressuposto a deliberação condicionante.” 

De igual modo, refere Sandra Passinhas, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador da Propriedade Horizontal”, Almedina, 2.ª edição, 2002, pág. 246-247 onde se escreve que: “As deliberações da assembleia tomadas em sede de gestão do condomínio assumem carácter de decisões administrativas, não determinam um vínculo contratual permanente, e são sempre susceptíveis de revogação e de modificação, ainda que tomadas por unanimidade. A decisão da assembleia em sede de gestão é sempre contingente e transitória e não pode precludir novas e diversas deliberações que possam surgir no decurso da vida do condomínio. As novas deliberações, revogadoras ou modificativas precedentes, tomadas sobre o mesmo objecto, porque adoptadas no modo e com as formalidades legais, são perfeitamente válidas e eficazes para todos os condóminos. Isto ainda que a anterior deliberação haja sido tomada por unanimidade e a segunda por maioria mínima prescrita na lei, de acordo com o objecto da deliberação e o tipo de assembleia.” 

Gozo de Férias pelo Gerente

Nos termos do artigo 252.º do Código das Sociedades Comerciais, as sociedades por quotas são administradas e representadas por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos de entre os sócios ou pessoas estranhas à sociedade.  

A sua qualidade advém, assim, do contrato de administração que celebram com a sociedade, e que pode caracterizar-se como um contrato de mandato ou um contrato de trabalho.  

Tendo em conta que se trata de um órgão diretivo e representativo da sociedade, que faz parte da sua estrutura social e participa na formação da sua vontade, agindo geralmente com inteira autonomia, será normal que o vínculo contratual entre o gerente e a sociedade revista a natureza jurídica do mandato.  

Todavia, é aceite na nossa doutrina e jurisprudência que, existindo subordinação jurídica entre o gerente e a sociedade, esse vínculo pode assumir a natureza de contrato de trabalho. 

Nesse contexto, e embora não seja questão pacífica, temos já alguma jurisprudência e também doutrina, que se têm pronunciado a favor da possibilidade, nas sociedades por quotas, de cumulação entre a qualidade de gerente e a de trabalhador subordinado. 

Entre outros, Abílio Neto [in Código das Sociedades Comerciais – Jurisprudência e Doutrina, 2ª edição, 2003, pág. 614] refere que “embora a atribuição de um subsídio de férias ou o pagamento do subsídio de Natal ou do subsídio de refeição sejam prestações típicas do contrato de trabalho subordinado, nada obsta a que, por deliberação dos sócios, a remuneração paga aos gerentes compreenda prestações daquele tipo, não obstante as funções por eles desempenhadas não sejam, em princípio, subsumíveis a uma relação laboral”. 

Por outras palavras, para os sócios gerentes e caso haja uma deliberação dos sócios nesse sentido a remuneração paga aos gerentes poderá importar o subsídio de férias, o subsídio de natal e o subsídio de refeição, ainda não que tal não seja obrigatório, uma vez que, não estamos perante uma relação laboral. 

Não sendo por isso uma relação laboral, não existe obrigatoriedade quanto aos dias de férias a gozar, a não ser que seja deliberado pelos sócios que estamos o sócio gerente em causa está subordinado a uma relação laboral e como tal não poderá renunciar ao gozo das férias. 

Já no que concerne a situação do trabalhador de baixa a nossa opinião é diferente.

Dispõe o artigo 244.º, n.º 1 do Código do Trabalho que “O gozo das férias não se inicia ou suspende-se quando o trabalhador esteja temporariamente impedido por doença ou outro facto que não lhe seja imputável, desde que haja comunicação do mesmo ao empregador.” 

O n.º 2 refere que “Em caso referido no número anterior, o gozo das férias tem lugar logo após o termo do impedimento na medida do remanescente do período marcado, devendo o período correspondente aos dias não gozados ser marcado por acordo, ou na falta deste, pelo empregador, sem sujeição ao disposto no artigo 241.º.” 

Quer isto dizer que tem de ser concedido o direito a férias ao trabalhador, logo que cesse a situação de doença, se a situação de doença cessar no ano civil em que se iniciou, tendo este direito a gozar o remanescente não gozado, caso ainda esteja de férias, ou a agendar novas datas para o efeito, caso o período previsto tenha sido ultrapassado. 

Contudo, dispõe o n.º 3 do artigo 244.º que “em caso de impossibilidade total ou parcial do gozo de férias por motivo de impedimento do trabalhador, este tem direito à retribuição correspondente ao período de férias não gozado ou ao gozo do mesmo até 30 de Abril do ano seguinte, e em qualquer caso, ao respectivo subsídio.” 

Assim, quanto às férias vencidas em ano anterior e não gozadas em virtude da baixa médica, o trabalhador poderia gozá-las até 30 de Abril do ano seguinte, ou caso não as gozasse, por se ter mantido o impedimento, teria direito a auferir a retribuição correspondente ao período não gozado, caso assim o pretendesse. 

Porém, dispõe o artigo 295.º do Código do Trabalho que “durante a redução ou a suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho.” Ora, o artigo 237.º, n.º 2 estabelece que as férias respeitam aos dias de trabalho prestados no ano anterior, pelo que, caso o trabalhador não preste atividade durante mais de um ano, por se encontrar impedido em virtude de baixa médica, o direito a férias não se pode vencer automaticamente, já que este é um direito que pressupõe a efetiva prestação do trabalho. 

Assim, o caso de um trabalhador cuja doença se prolongue para o período de férias, a nosso ver, mantém-se de baixa, pelo que não se vence novo direito a férias, atenta a suspensão do contrato.