Liquidez e regulação nas instituições bancárias

Publico esta linhas dada a pertinência do assunto num momento particularmente conturbado na banca com a falência de dois Bancos nos Estados Unidos, no qual analisar a liquidez e regulação nas instituições bancárias voltou à ordem do dia. As ideias ainda que sumárias e propositadamente sem a densidade cientifica de um trabalho académica resultam de minha reflexão para a dissertação de Mestrado que me encontro a defender.

A primeira ideia é que instituições financeiras, de todos os tipos e tamanhos, subestimavam (e pelos vistos ainda subestimam) a liquidez, dando pouco ou nenhum valor à disponibilidade imediata de fundos. Assim, durante períodos de crise financeira, muitas dessas instituições, sofreram para manter uma liquidez adequada, o que levou à falência de instituições bancárias e à necessidade de bancos centrais injetarem liquidez, em sistemas financeiros nacionais, evitando assim o colapso da economia como um todo. 

Assim, em 1988, foi elaborado e assinado, o primeiro acordo global (Basileia I), que recomendava aos governadores e supervisores nacionais, sobre a necessidade de exigir às instituições bancárias, rácios mínimos de fundos próprios, em função do total de investimentos, ponderado pelas respetivas classes de risco. 

Não obstante, associado a um conjunto de instabilidades vividas no sector bancário, durante a segunda metade do século XX, foram necessárias reformas no âmbito da regulação da atividade bancária. 

Nesta senda, a crise financeira internacional, levou a que os governos criassem incentivos, para que os bancos reduzissem a sua dependência excessiva de financiamento, por parte de fontes externas, a curto prazo. Pelo que, a necessidade de regulação do risco de liquidez, foi uma importante lição, decorrente da crise financeira global, tendo sido reavaliados os modelos e as práticas de supervisão, a nível nacional e internacional. 

Destarte, tornou-se imperioso que os bancos mantivessem níveis mínimos de reservas de capital, que lhes permitissem reagir a choques de liquidez, inesperados, sem terem de recorrer a ajuda externa ou à venda precipitada de ativos.  

O Comité de Supervisão Bancária de Basileia, o Conselho de Estabilidade Financeira, o Conselho Europeu do Risco Sistémico e as Autoridades Europeias de Supervisão para as Áreas da Banca, Seguros e Mercados Financeiros, desempenharam um papel fundamental no quadro legislativo e contribuíram para o desenvolvimento de um único pacote legislativo, ajudando, assim, a prevenir os riscos e problemas do sistema financeiro. 

Ora, a falência de novos bancos, constitui uma externalidade negativa, muito significativa, sobre outros bancos, e pode, em última instância, afetar novamente toda a economia, pelo que defendemos que, a quantidade e tipo de liquidez que os bancos mantêm, influencia toda a sua fragilidade, sendo este fator, acompanhado de outros indicadores de risco bancário, como o nível de adequação dos capitais ou a rentabilidade.  

Crime de perseguição vs Crime de perturbação da vida privada

O crime de perseguição (vulgo stalking) chegou recentemente ao ordenamento jurídico, tornando-se, não por culpa do aplicador do direito, mas de uma sociedade crescentemente disfuncional, num dos crimes da moda. 

Na esteira do Ac. da Relação de Lisboa de 16.10.2018 in www.dgsi.pt “o stalking designa um curso de condutas intrusivas e persistentes, prolongadas indeterminadamente no tempo, que podem ser compreendidas como atos persecutórios não queridos e perturbadores para a vítima. As condutas persecutórias materializam-se, portanto, em diversas “formas de comunicação, vigilância e contacto, exercidas sobre alguém que é alvo de um interesse e atenção continuados e indesejados. Diz-nos a experiência que o stalking envolve uma campanha de condutas que têm tendência a escalar em frequência e severidade ao longo do tempo” (Neste sentido sempre se dirá que “o stalking é um fenómeno que não é singular, que consiste, frequentemente, numa combinação de condutas criminais e dependendo do contexto, não criminais, que dificultam essa identificação” – Artur Guimarães Ribeiro CF. Op. Nota 39, p. 68

Contudo, este crime não afastou, a nosso ver, do nosso ordenamento jurídico-penal outras formas de abordagem de fenómenos similares, cujo tratamento e posologia penal nos parecem mais adequadas, como seja o crime de perturbação da vida privada, previsto e punido pelo Artigo 190 do Código Penal. 

Vejamos com mais detalhe, 

Estabelece o Artigo 154.º A n.º1 do CP que: “Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.”  

Nesta senda, tutela o artigo 154.º-A do Código Penal que, os elementos objetivos do tipo são, necessariamente, a ação do agente, que consiste na perseguição da vítima por qualquer meio, direto ou indireto por forma a provocar medo ou inquietação na esfera da vítima, obrigando-a, por vezes, a alterar o seu quotidiano em função deste crime. 

Na verdade, o crime de perseguição tem natureza continuada, dinâmica e múltipla, pelo que, não é permitido defini-lo a partir da ocorrência de um comportamento isolado e típico, mas por uma constelação de comportamentos que, prolongados no tempo, tendem a escalar em frequência e intensidade, tornando-se em ações inequivocamente intimidatórias e perigosas.   

Assim, não comete o crime de perseguição quem se dirige simplesmente a outrem, mas sim quem em função da sua atuação pode provocar medo ou inquietação. 

Neste sentido, entre outros, veja-se o disposto no sumário do Ac. do tribunal da Relação de Évora, no   âmbito do processo n.º  17/16.3GBRMZ.E1:   

“I – O crime de “perseguição” tem como elementos constitutivos: 

– A ação do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio (direto ou indireto); 

– A adequação da ação a provocar na vítima medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; 

– A reiteração da ação. 

Exige-se ainda o dolo do agente, em qualquer das suas modalidades. 

II – A “perseguição” (ou “stalking”) é um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Tais comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como, por exemplo, oferecer presentes constantemente, telefonar insistentemente), ou mesmo em ações inequivocamente intimidatórias (como, por exemplo, seguir a vítima constantemente – a pé ou em veículo automóvel -, enviar repetidas mensagens de telemóvel com conteúdo persecutório e/ou “ameaçador”, enviar correspondência escrita de idêntico conteúdo, etc.). 

III – Pela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode assumir tal frequência e severidade que afete não só o “bem-estar” das vítimas, como, mais do que isso, lhes cause medo ou inquietação ou as prejudique na sua liberdade de determinação.” 

No mesmo sentido, “O critério utilizado na aferição do medo, inquietação ou inibição da determinação deve ser o do homem médio, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto. As condutas têm de ser praticadas de forma reiterada, pois sem essa reiteração há o perigo de se punir condutas quotidianas, como o envio de presentes à vítima. Para além disso, o agente tem de atuar com dolo, para poder ser responsabilizado a título de perseguição.” Marisa Nunes Ferreira David, A neocriminalização do Stalking, Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2017, p. 43. 

Faz-se notar que a opção pelo crime de perturbação foi durante anos padrão na jurisprudência antes da autonomização do crime de perseguição, e pode e deve ser aplicado com grano salis em situações deste tipo com a vantagem de evitar a estigmatização da vítima e do agressor, lançando mão de um meio penal menos gravoso. 

E nem se diga que o crime de perturbação é exclusivamente praticado através de chamadas telefónicas, uma vez que as aplicações em causa nos autos se situam hoje no telemóvel de qualquer jovem, como o arguido e a vítima. 

E muitas destas aplicações com o Instagram e o Whatsapp permitem a realização de chamadas telefónicas e de vídeo. 

Nesta senda, atente-se ao disposto no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra processo n.º 718/11.2PBFIG.C1:

“1.- Com introdução do n.º 2 do art.190.º do Código Penal, através da Reforma de 1995 – « Na mesma pena incorre quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação.» – e, posteriormente, com acrescentamento ao mesmo da expressão « ou para o seu telemóvel» através da Reforma de 2007, o legislador quis abranger todas as formas possíveis de comunicação tecnicamente permitidas através de telefone, sejam fixos ou móveis, incluindo a palavra escrita para os telefones móveis, que com a sua receção emitem um som de aviso. 

2.- Uma vez que “telefonar” significa comunicar pelo telefone e que resulta dos factos dados como provados que o arguido, a partir do seu telemóvel enviou para o telemóvel do ofendido, as mensagens cujo teor consta da mesma factualidade, e que ao assim atuar quis e conseguiu perturbar a vida privada, a paz e o sossego do ofendido, conhecendo e querendo a realização daqueles factos antijurídicos e agindo com consciência da ilicitude, preencheu com a sua conduta todos os elementos constitutivos dos crimes de perturbação da vida .”  

Assim sendo, consideramos que ambos os crimes concorrem no sistema jurídica atual e que a aplicação de cada um dos crime dependerá sempre da intensidade dolosa da conduta (mais intensa na perseguição e mais suave na perturbação) e dos contexto da relação entre a vitima e agressor.

Transmissão do contrato de trabalho

O regime jurídico da transmissão de empresa ou estabelecimento, regulado pelos artigos 285.º a 287.º do Código do Trabalho, visa assegurar a proteção dos trabalhadores e manutenção dos postos de trabalho, perante os interesses económicos do empregador. 

Nesta senda, diz-nos o artigo 285º n.º 1 que “Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.” 

Já o n.º 2 do mesmo artigo dispõe que “O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.” 

Nesta senda, com a aceitação da transmissão, os contratos de trabalho transmitem-se para o adquirente, sendo que, os trabalhadores, mantêm, todos, os direitos contratuais adquiridos, nomeadamente, retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais. 

Sucede que, durante os dois anos subsequentes a esta, o transmitente responde, solidariamente, pelos créditos do trabalhador, emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão. 

Assim, tanto a empresa transmitente, como a empresa adquirente, deve informar os representantes dos respetivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre a data e motivos da transmissão, as consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores, as medidas projetadas em relação a estes e o conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente. 

Não obstante, de acordo com o artigo 286 do Código do Trabalho, esta informação deve ser prestada por escrito, antes da transmissão e, pelo menos, 10 dias úteis antes da consulta aos representantes dos respetivos trabalhadores, com vista à obtenção de um acordo sobre as medidas que pretendam aplicar aos trabalhadores na sequência da transmissão. 

Quanto à possibilidade de oposição, por parte do trabalhador, à transmissão do seu contrato de trabalho para o adquirente, este pode fazê-lo, bastando, para tanto, informar o respetivo empregador, por escrito, no prazo de 5 dias úteis após o fim do prazo para a designação da comissão representativa se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta aos representantes dos trabalhadores. Vide neste sentido o artigo 286.º A do Código do Trabalho.  

Cumpre também informar que, a transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, com fundamento na oposição do trabalhador à transmissão. 

Optando pela resolução o trabalhador tem o direito a uma compensação correspondente a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por ano de antiguidade, com o limite de 12 retribuições base mensais e diuturnidades ou 240 vezes o salário mínimo nacional. 

Em suma, a vinculação dos trabalhadores à empresa adquirente opera, automaticamente, aquando do conhecimento por parte do trabalhador da cessão da exploração e findo o prazo de oposição a que alude o artigo 286.º A. (10 dias úteis antes da consulta aos representantes dos respetivos trabalhadores, com vista à obtenção de um acordo sobre as medidas que pretendam aplicar aos trabalhadores na sequência da transmissão.)