Arrendamento de arrumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: 

O presente artigo baseia-se num parecer que nos foi solicitado acerca da possibilidade de um condomínio arrendar os arrumos a quem o pretenda, cabe saber se estes podem ser arrendados a terceiros, aos condóminos do prédio, ou a ambos.  

ANÁLISE:  

Antes de qualquer consideração de maior, importa realçar que o prédio em causa está constituído em propriedade horizontal, cujo regime legal está previsto nos artigos 1414.º e seguintes do Código Civil (doravante CC).   

Com efeito, de acordo com o artigo 1414.º, “As frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal”, de modo que apenas podem ser objeto deste tipo de propriedade as frações autónomas que constituam unidades independentes, distintas e isoladas entre si, e dotadas de saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública, vide artigo 1415.º do refiro diploma legal.   

Ora, estando um prédio constituído em propriedade horizontal, os seus moradores são considerados condóminos do mesmo, ficando, por isso, legalmente instituídos num conjunto de direitos e deveres.   

Para o que ora interessa, e no âmbito dos direitos dos condóminos, o artigo 1420.º, n.º 1 do CC dispõe que: “Cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”. Razão pela qual importa, em primeiro lugar, apurar quais as partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal, maxime, e atendendo ao cerne da questão subjudice, se os arrumos constituem, ou não, parte comum. 

Possibilidade de ser arrendado a condóminos: 

Nesta possibilidade é de referir que, as partes comuns estão na qualidade de compropriedade, o que significa que todos os condóminos são proprietários em comum dessas partes, nos termos do art.1403º , nº1 do CC, tendo o direito de uso, administração e disposição da coisa comum.  

Assim, não haverá necessidade de arrendar os arrumos aos condóminos, uma vez que estes podem dispor deles quando assim o entendam, nos termos do art.1408º nº1 do CC.  

Possibilidade de ser arrendado a terceiros:  

Quanto a esta possibilidade é de referir que, de acordo com o artigo 1421.º, n.º 2 do CC, “São comuns as seguintes partes do edifício: e) Em geral, as coisas que não sejam afetadas ao uso exclusivo de um dos condóminos”.  

Pelo que, cabe saber se os arrumos se inserem nesta alínea e se podem ser consideramos como parte comum. Assim sendo, é de aferir se os arrumos são de uso exclusivo de um dos condóminos, ou seja, se um dos condóminos utiliza os arrumos para uso próprio, se assim o for, esta presunção, existente no art.1421º nº2 al. e), é ilidida.  

Assim, segundo o nº2 do art.1421º do CC, trata-se de uma presunção ilidível, ou seja, pode ser afastada se indícios resultarem que essa parte é afeta a uso exclusivo de um dos condóminos, segundo o nº3 do art.1421º do CC.  

Nestes termos, se os arrumos não se encontrarem afetos ao uso exclusivo de um dos condóminos, segundo o nº3 do art.1421º nº3 do CC, é considerado parte comum, e assim sendo, é necessário o consentimento dos outros condóminos comproprietários, para arrendar os referidos arrumos, nos termos do art.1430º nº1 do CC, “A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador”.  

Face ao exposto, é necessário consultar o título constitutivo, no sentido de saber se este dispõe neste sentido. De seguida, é necessário consultar os restantes condóminos, em assembleia de condóminos de forma a deliberar sobre o assunto. Sendo que, as pessoas coletivas ou singulares que venham a arrendar estes arrumos estão sujeitas aos deveres e limites impostos aos condóminos, nos termos do art.1422º nº1 e nº2, e art.1424º do CC.  

Ainda é de referir, que o arrendamento de uma parte comum do prédio não retira a qualidade de comproprietário aos restantes condóminos, sendo que é um “direito incindível”, ou seja, não se pode alienar, nos termos do art.1420º nº1 do CC. 

No entanto, assiste ao comproprietário o direito de dispor da sua quota parte, nos termos do art.1408º nº1, “O comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela, mas não pode, sem consentimento dos restantes consortes, alienar ou onerar parte específica da coisa comum”, uma vez que, os condóminos comproprietários das partes comuns tem os seus direitos e deveres regulados pelo Capítulo V do CC.   

Face ao exposto, é de referir que as partes comuns do prédio estão sujeitas ao regime de compropriedade, e por isso cada comproprietário pode livremente dispor da sua quota parte. No entanto, é de salientar que é necessário analisar o título constitutivo, que pode dispor em sentido contrário quanto à qualidade dos arrumos, uma vez que se presume parte comum, no entanto esta presunção é ilidível, nos termos do nº2 do art.1421º nº2, ou seja, pode ser afastada com prova em contrário.  

O destino a dar aos arrumos deve ser discutido em Assembleia de condóminos, no sentido de todos os condóminos deliberarem sobre a possibilidade de arrendar a parte comum, e conferir se esta não está afeta a uso exclusivo de algum dos condóminos. Deste modo, podem os condóminos dispor dessa parte comum, no entanto, o locatário está sujeito às limitações impostas pelo art.1422º, nomeadamente o nº2 “É especialmente vedado aos condóminos, al c): Dar-lhes uso diverso do fim a que é destinada”. Portanto, sendo arrumos tem de ser afeto a essa finalidade. Sendo que lhe incumbe também atos de conservação e fruição, segundo o art.1424º nº1.  

Assim, o contrato de arrendamento é celebrado nos termos do art.1022º e seguintes, sendo que nos termos do art.1024º nº1 do CC, “A locação constitui, para o locador, um ato de administração ordinária, exceto quando for celebrada por prazo superior a seis anos”. No seguimento do já referido, à Assembleia de condóminos compete deliberar atos de administração de partes comuns, nos termos do art.1430º nº1 do CC.  

Neste sentido, AC TRL de 03-07-2003, Proc. nº4853/2003-6: “De acordo com o nº 2 do art. 1024º do CC, o arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só se considera válido quando os restantes proprietários manifestem, antes ou depois do contrato, o seu assentimento”. 

Isto significa que o contrato de arrendamento de uma parte comum de um prédio em propriedade horizontal só é válido se todos os condóminos estiverem de acordo, caso contrário o mesmo será nulo. 

Concluindo, no seguimento do supra referido, cumprindo certos requisitos e formalidades é possível arrendar parte comum a terceiros, no entanto é sempre necessário o consentimento dos condóminos para esse efeito, uma vez que a parte comum, neste caso os arrumos, está na qualidade de compropriedade de cada um dos condóminos e a sua utilização sem o seu consentimento é posse de coisa alheia.  

Quanto à possibilidade de arrendamento aos condóminos, este não é a nosso ver possível, uma vez que os condóminos têm já direito a dispor de partes comuns do prédio.  

Mora do arrendatário em virtude de quebra de rendimentos

Em virtude da situação epidemiológica atual, foram aprovadas um conjunto de medidas que visam acautelar diversas situações, de entre elas, as situações de mora no pagamento das rendas devidas nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, previstas na Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, aplicável apenas para as rendas que se vençam a partir de 1 de abril de 2020, a qual se remete em anexo, para V. conhecimento.

Cingindo-nos ao que interessa, o artigo 3.º do diploma legal supra, relativamente aos arrendamentos habitacionais, enumera um conjunto de situações às quais a presente lei é aplicável, a saber:

1 — No caso de arrendamentos habitacionais, a presente lei é aplicável quando se verifique:

a) Uma quebra superior a 20 % dos rendimentos do agregado familiar do arrendatário face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano anterior; e

b) A taxa de esforço do agregado familiar do arrendatário, calculada como percentagem dos rendimentos de todos os membros daquele agregado destinada ao pagamento da renda, seja ou se torne superior a 35 %; ou

c) Uma quebra superior a 20 % dos rendimentos do agregado familiar do senhorio face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano anterior; e

d) Essa percentagem da quebra de rendimentos seja provocada pelo não pagamento de rendas pelos arrendatários ao abrigo do disposto na presente lei.

2 — A demonstração da quebra de rendimentos é efetuada nos termos de portaria a aprovar pelo membro do Governo responsável pela área da habitação” – Portaria n.º 91/2020, de 14 de abril, também em anexo.

Ora, estando o arrendatário perante alguma das situações acima enunciadas, de acordo com o artigo 4.º da referida Lei, “O senhorio só tem direito à resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, se o arrendatário não efetuar o seu pagamento, no prazo de 12 meses contados do termo desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda de cada mês”.

Pelo que, feita a prova da quebra de rendimentos sofrida pelo arrendatário, este poderá não efetuar o pagamento das rendas no momento imediato, e até ao primeiro mês subsequente ao fim do estado de emergência, não constituindo, tal situação, fundamento para resolução do contrato de arrendamento, desde que efetue o pagamento das rendas então em dívida dentro de 12 meses contados do termo desse período, em prestações não inferiores a um duodécimo do montante total em dívida, pagas juntamente com a renda de cada mês.

Importa ainda referir que os arrendatários que se vejam impossibilitados do pagamento da renda têm o dever legal de informar o senhorio, por escrito, até cinco dias antes do vencimento da primeira renda que pretendem beneficiar do regime excecional supra, juntando a documentação comprativa da quebra de rendimentos, cf. artigo 6.º da Lei em análise.

Consequência do não envio anual do RABC pelo inquilino

O artigo 35.º do NRAU, dispõe que:  

1 – Caso o arrendatário invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de oito anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 31.º. 

2 – No período de oito anos referido no número anterior, a renda pode ser atualizada nos seguintes termos: 

a) O valor atualizado da renda tem como limite máximo o valor anual correspondente a 1/15 do valor do locado; 

b) O valor do locado corresponde ao valor da avaliação realizada nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI; 

c) O valor atualizado da renda corresponde, até à aprovação dos mecanismos de proteção e compensação social: 

i) A um máximo de 25 /prct. do RABC do agregado familiar do arrendatário, com o limite previsto na alínea a); 

ii) A um máximo de 17 /prct. do RABC do agregado familiar do arrendatário, com o limite previsto na alínea a), no caso de o rendimento do agregado familiar ser inferior a (euro) 1500 mensais; 

iii) A um máximo de 15 /prct. do RABC do agregado familiar do arrendatário, com o limite previsto na alínea a), no caso de o rendimento do agregado familiar ser inferior a (euro) 1000 mensais; 

iv) A um máximo de 13 /prct. do RABC do agregado familiar do arrendatário, com o limite previsto na alínea a), no caso de o rendimento do agregado familiar ser inferior a (euro) 750 mensais; 

v) A um máximo de 10 /prct. do RABC do agregado familiar do arrendatário, com o limite previsto na alínea a), no caso de o rendimento do agregado familiar ser inferior a (euro) 500 mensais. 

d) O arrendatário pode requerer a reavaliação do locado, nos termos do Código do IMI. 

3 – Quando for atualizada, a renda é devida no 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção, pelo arrendatário, da comunicação com o respetivo valor.

4 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o valor atualizado da renda, no período de oito anos referido no n.º 1, corresponde ao valor da primeira renda devida. 

5 – Nos anos seguintes ao da invocação da circunstância regulada no presente artigo, o inquilino faz prova dessa circunstância, pela mesma forma e até ao dia 30 de setembro, quando essa prova seja exigida pelo senhorio até ao dia 1 de setembro do respetivo ano, sob pena de não poder prevalecer-se daquela circunstância. 

6 – Findo o prazo de oito anos referido no n.º 1, o senhorio pode promover a transição do contrato para o NRAU, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 30.º e seguintes, com as seguintes especificidades: 

a) O arrendatário não pode invocar as circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 4 do artigo 31.º; 

b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos”.  

Em face desta formulação poder-se-ia questionar se uma alteração do valor do RABC durante este período poderia ter influência no valor da renda (o lógica desta argumentação seria: para que serve o envio da documentação senão para o senhoria ter noção da evolução dos rendimentos do arrendatário) . Contudo, da leitura do artigo supra extrai-se que a atualização do valor da renda em função do RABC não se relaciona, necessariamente, com a evolução do RABC que o inquilino apresenta, seja este superior ou inferior ao longo dos anos, mas sim com a comprovação desse mesmo RABC.  O elemento decisivo para esta interpretação prende-se com a fixação de um prazo de transição garantido.

De modo que, quanto aos inquilinos que não remeteram o RABC ao conhecimento do senhorio até 30 de setembro de cada ano, e apenas em relação a estes, poderá operar a atualização do valor da renda de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 2, alínea a) do artigo em causa, tendo o valor atualizado da renda como limite máximo o valor anual correspondente a 1/15 do valor do locado – porquanto, efetivamente, não fazendo aqueles comprovação dos elementos a que estão obrigados, legitimam o senhorio a proceder à atualização de acordo com os critérios materiais do locado.