Defesa do Consumidor. Alargamento do prazo para resolução em caso de falha na informação. Março 2023

Foi publicada sem grande alarido ou cobertura mediática a Lei n.º 10/2023, de 3 de março que entre outras altera de forma significativa a Lei de Defesa do Consumidor.

A principal alteração prende-se com o alargamento em determinadas circunstâncias do direito de livre resolução do consumidor para 12 meses em determinadas circunstâncias relacionadas com a omissão de dever de pré informação contratual.

Na prática aquando do momento de aceitação do contrato – que se dá, normalmente, com a assinatura ou com a adesão eletrônica – deve o aderente estar plenamente esclarecido sobre todas as cláusulas que integram o contrato, pois só assim a sua vontade contratual estará perfeitamente formada e livre de erros. O contrato deve assim integrar informação sobre características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico.

Veja-se por exemplo a tão comum alteração das condições de prestação de um determinado serviço que deve vir acompanhada pela informação ao consumidor de que a não aceitação dá lugar ao direito à resolução. O prazo para a resolução é de 14 dias ou 30 dias em caso de comunicação caso contrato seja feito em estabelecimento ou à distância mas com a alteração legislativa passa a 12 meses (ou 14 ou 30 dias contados da receção tardia da informação).

Apesar da técnica legislativa não se nos afigurar a mais feliz o que importa reter é que em caso de falha na comunicação das alterações contratuais (seja relativamente ao preço seja às condições de prestação de um determinado serviço) o consumidor tem agora mais tempo de reagir e isso constitui um avanço que se deve saudar.

É este o texto da Lei:

Artigo 10.º

[…]

1 – […]

2 – Se o fornecedor de bens ou prestador de serviços não cumprir o dever de informação pré-contratual determinado na alínea m) do n.º 1 do artigo 4.º, o prazo para o exercício do direito de livre resolução é de 12 meses a contar da data do termo do prazo inicial a que se refere o número anterior.

3 – Se, no decurso do prazo previsto no número anterior, o fornecedor de bens ou prestador de serviços cumprir o dever de informação pré-contratual a que se refere a alínea m) do n.º 1 do artigo 4.º, o consumidor dispõe de 14 dias ou, nos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial a que se referem as subalíneas ii) e v) da alínea i) do artigo 3.º, de 30 dias para resolver o contrato a partir da data de receção dessa informação.

Liquidez e regulação nas instituições bancárias

Publico esta linhas dada a pertinência do assunto num momento particularmente conturbado na banca com a falência de dois Bancos nos Estados Unidos, no qual analisar a liquidez e regulação nas instituições bancárias voltou à ordem do dia. As ideias ainda que sumárias e propositadamente sem a densidade cientifica de um trabalho académica resultam de minha reflexão para a dissertação de Mestrado que me encontro a defender.

A primeira ideia é que instituições financeiras, de todos os tipos e tamanhos, subestimavam (e pelos vistos ainda subestimam) a liquidez, dando pouco ou nenhum valor à disponibilidade imediata de fundos. Assim, durante períodos de crise financeira, muitas dessas instituições, sofreram para manter uma liquidez adequada, o que levou à falência de instituições bancárias e à necessidade de bancos centrais injetarem liquidez, em sistemas financeiros nacionais, evitando assim o colapso da economia como um todo. 

Assim, em 1988, foi elaborado e assinado, o primeiro acordo global (Basileia I), que recomendava aos governadores e supervisores nacionais, sobre a necessidade de exigir às instituições bancárias, rácios mínimos de fundos próprios, em função do total de investimentos, ponderado pelas respetivas classes de risco. 

Não obstante, associado a um conjunto de instabilidades vividas no sector bancário, durante a segunda metade do século XX, foram necessárias reformas no âmbito da regulação da atividade bancária. 

Nesta senda, a crise financeira internacional, levou a que os governos criassem incentivos, para que os bancos reduzissem a sua dependência excessiva de financiamento, por parte de fontes externas, a curto prazo. Pelo que, a necessidade de regulação do risco de liquidez, foi uma importante lição, decorrente da crise financeira global, tendo sido reavaliados os modelos e as práticas de supervisão, a nível nacional e internacional. 

Destarte, tornou-se imperioso que os bancos mantivessem níveis mínimos de reservas de capital, que lhes permitissem reagir a choques de liquidez, inesperados, sem terem de recorrer a ajuda externa ou à venda precipitada de ativos.  

O Comité de Supervisão Bancária de Basileia, o Conselho de Estabilidade Financeira, o Conselho Europeu do Risco Sistémico e as Autoridades Europeias de Supervisão para as Áreas da Banca, Seguros e Mercados Financeiros, desempenharam um papel fundamental no quadro legislativo e contribuíram para o desenvolvimento de um único pacote legislativo, ajudando, assim, a prevenir os riscos e problemas do sistema financeiro. 

Ora, a falência de novos bancos, constitui uma externalidade negativa, muito significativa, sobre outros bancos, e pode, em última instância, afetar novamente toda a economia, pelo que defendemos que, a quantidade e tipo de liquidez que os bancos mantêm, influencia toda a sua fragilidade, sendo este fator, acompanhado de outros indicadores de risco bancário, como o nível de adequação dos capitais ou a rentabilidade.  

Intervenção principal provocada para chamamento de terceiro na Ação Executiva

Uma situação prática da vida surge quando no âmbito de uma ação executiva se protende promover o posterior chamamento de terceiros (por exemplo dos fiadores que embora constantes do título não foram faziam inicialmente parte da ação). Neste caso, de acordo com a esmagadora maioria da doutrina e jurisprudência, o seu chamamento à lide apenas pode acorrer no início do processo aquando da submissão do requerimento executivo. 

Assim sendo, não será possível chamar os fiadores na pendência da ação, através do instituto da intervenção principal provocada, previsto nos artigos 316º e seguintes do Código de Processo Civil. 

Artigo 316.º (art.º 325.º CPC 1961)
Âmbito
1 – Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2 – Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3 – O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.

Citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/03/2019 (P. 4957/18.7T8SNT-B.L1-6), disponível em www.dgsi.pt,Se o exequente optou por não executar todos os devedores solidários constantes do título, o devedor demandado não pode fazer intervir um codevedor; nem pode o credor/exequente fazer intervir posteriormente codevedores solidários, porque a sua opção inicial circunscreveu o âmbito subjectivo da instância executiva.” 

Significa isto que não pode o Exequente, mesmo na fase de saneamento do processo, chamar os fiadores (codevedores solidários) à ação executiva.

A jurisprudência embora compreensível (os Executados a chamar já eram conhecidos do Exequente ao tempo da propositura da ação) causa perplexidade em termos da dinâmica social (imagine-se a situação em que o Exequente e dos Executados são da mesma família).

Proteção Jurídica. Em especial da prova dos rendimentos do agregado familiar

A atribuição de proteção jurídica aos cidadãos está prevista na Lei n.º 34/2004, de 31 de agosto (adiante, lei de acesso ao Direito e aos Tribunais) que estabelece os critérios para a mesma ao abrigo do Princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.  

Dispõe o artigo 7.º da suprarreferida lei de acesso ao Direito e aos Tribunais que “Têm direito a protecção jurídica, nos termos da presente lei, os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro da União Europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica”. 

Importa ainda o n.º 1 do artigo 8.º-B da mesma lei, do qual se retira que “A prova da insuficiência económica é feita nos termos a definir por portaria conjunta dos ministros responsáveis pelas áreas da justiça e da segurança social”. 

A portaria a que se alude no preceito legal supratranscrito no número anterior é a Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de agosto que veio fixar os critérios de prova e apreciação da insuficiência económica para efeitos de pedido de proteção jurídica.  

Ora, diz-nos desde logo o n.º 1 do artigo 3.º daquela Portaria sob a epígrafe «Documentos relativos ao rendimento» que “Os factos relativos ao rendimento do requerente e das pessoas do seu agregado familiar são acompanhados das cópias da última declaração de rendimentos para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) que tenha sido apresentada e da respectiva nota de liquidação, se já tiver sido emitida, ou, na falta da referida declaração, de certidão emitida pelo serviço de finanças competente”. 

Existe um simulador no site da Segurança Social que permite aos cidadãos verificarem se são elegíveis a proteção.

2023 – 1º semestre – seg-social.pt

Contudo, perece resultar do simulador e do diploma legal que fixa os documentos que servirão de prova ao requerimento de proteção jurídica o necessário englobamento dos rendimentos do agregado familiar, o que afastaria do benefício aqueles que embora residindo com outros ou mesmo partilhando algumas despesas prendam solicitar o apoio para uma questão jurídica iminentemente pessoal (veja-se por exemplo o caso das pessoas que vivem em economia comum)

Tal interpretação dos serviços da Segurança Social sempre nos pareceu violar o princípio constitucionalmente consagrado do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, e em 2018 o Tribunal Constitucional decidiu:

” Interpretar, ao abrigo do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da LTC, o conjunto normativo integrado pelo Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, conjugado com o artigo 8.º-A, n.º 6, da mesma Lei, como conferindo ao requerente de proteção jurídica a possibilidade de solicitar que a apreciação da sua insuficiência económica tenha em conta apenas o seu rendimento, património e despesa permanente ou o rendimento, património e despesa permanente dele e de alguns elementos do seu agregado familiar”

Ver TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 11/2019 . (tribunalconstitucional.pt)

Deste modo, entendemos que os rendimentos do agregado familiar podem ou não ser integrados no rendimento elegível quando em benefício do candidato à proteção e de acordo com o seu critério.

Ruido de vizinhança. Evolução da jurisprudência 2009-2023

Volvidos quase 15 anos sobre a prolação do histórico Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 2009 sobre ruído de vizinhança a evolução da jurisprudência – que num primeiro momento da sinais de evolução – parece ter estagnado. No decurso da pandemia, embora se tenha falado em tornar o regulamento mais exigente, para acautelar a situação das pessoas em teletrabalho, não chegou a existir qualquer alteração legislativa nesta matéria. E o panorama nos Tribunais também não se alterou significativamente com poucas sentenças e sobretudo atuação ao nível da justiça de proximidade.

Aqui ficam dois exemplos:

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (dgsi.pt) Tribunal da Relação de Lisboa. Acordão de 3/5/2018

Sentenças de Julgados De Paz (dgsi.pt) Julgado de Paz do Oeste. Sentença de 26 de fevereiro de 2019.

Claro que, como assinalámos na versão original deste artigo, a revisão em alta pela jurisprudência dos valores indenizatórios relativamente ao prevaricadores foi importante (Condenada a pagar 7500 euros a vizinho por fazer ruído (dn.pt) .

Depois, e muito importante, a redução dos prazos para o agendamento das audiências de julgamento, no âmbito dos poderes de gestão processual dos Magistrados, e que passam em muitos casos pela não realização da audiência de partes ou de outros mecanismos de agilização como a apresentação da contestação e prova até à audiência de julgamento. Da nossa experiência profissional recente avulta o agendamento de audiências em prazos inferiores a 30 dias relativamente à dada da instauração da petição, dependendo das comarcas. No essencial tem sido sensibilidade dos senhores magistrados, que reputamos resultar de recomendação do Conselho Superior de Magistratura ou ações de formação no CEJ, de que estes assuntos têm prioridade nas agendas dos Tribunais.

Apesar destas evoluções, talvez se justificasse uma alteração legislativa, uma vez que a reação a estes comportamento obriga ainda as vitimas a esforços significativos do ponto de vista financeiro (por exemplo relacionados com as custas judiciais ou o custo de uma medição de ruído) e de sensibilização das autoridades.

Deixamos aqui os contributos das colegas Raquel Caixado, Ana Rita Mendes e Ana Alegria nas sucessivas revisões ao artigo publicado, a quem agradecemos o tempo e a generosidade dedicadas a este assunto.

Atualização de Setembro de 2016

Regresso ao tema pelo interesse demonstrado pelos inúmeros comentários e pela impossibilidade de responder a todos eles a que a vertigem do nosso quotidiano de barra impede. As conclusões que retiro da minha experiência profissional e da análise da jurisprudência são contraditórias: se por um lado existe uma maior sensibilização das autoridades políciais, do poder local e judiciais (ver resenha de jurisprudência publicada pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre as questões do Direito ao Descanso e Sossego) para o tema, a verdade é que os casos que chegam aos Tribunais são ainda reduzidos, as Câmara Municipais ainda demoram demasiado tempo a realizar os testes acústicos (muitas vezes por limitações ao nível dos equipamentos) e as autoridades policias nem sempre respondem ou têm a competência, sensibilidade ou a firmeza necessária para mediar estes conflitos de vizinhança. Como fica demonstrado também pela quantidade e qualidade dos depoimentos aqui prestados o panorama continua a ser o de relativa impunidade dos barulhentos.

Atualização de Setembro de 2012

A situação verifica-se ao nível da justiça de proximidade Por exemplo nesta decisão recente do Julgado de Paz de Coimbra não obstante se ter provado que os ruídos provenientes de um animal era susceptíveis de tutela pelo Direito, não se consideraram verificados os pressupostos da responsabilidade civil, e não se indemnizou o lesado, obrigando-o inclusive a liquidar as custas do processo. Outro exemplo é a decisão recente do Julgado de Paz de Sintra que não obstante considerar que um estabelecimento de restauração e bebidas criava ruído de vizinhança por manter ligadas arcas frigoríficas em permanência, apenas condenou o faltoso numa indemnização de 200€ (que nem chegou a cobrir o valor da medição acústica entretanto contratada).

Desconhecendo os casos concretos que determinaram estas sentenças e não podendo opinar sobre a justeza de decisões em que não intervimos, sempre se dirá que permanece algum status quo nesta matéria com que aparentemente o Acórdão que aqui comentámos em 2009 não conseguiu romper.

Artigo original publicado em 18 de Julho de 2009

Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 2009 sobre ruído de vizinhança veio alterar substâncialmente as regras de jogo quanto à convivência condomínial. Pela sua importância reproduzo parte das conclusões do aresto:Pela sua importância reproduzo parte das conclusões do aresto:

“A actuação de quem, habitando o 1º andar de um prédio, produz ruído, propositadamente, a partir das 22 horas, batendo com um objecto tipo martelo ou actuando como tal, no soalho da sua habitação, ao longo das divisões, atirando com objectos pesados que produzem estrondo no chão e pondo o volume da aparelhagem sonora e da televisão em registo audível no rés-do-chão do mesmo prédio, impedindo tal ruído, pela sua intensidade, duração e repetição, os habitantes do rés-do-chão – um casal e duas filhas menores – de dormir, e obrigando-os, por vezes, a pernoitar fora de casa, em hotéis e pensões, viola o direito ao descanso e ao sono, à tranquilidade e ao sossego destes, que são aspectos do direito à integridade pessoal”.

 “Se, em consequência de tal actuação, o casal e as duas filhas sofreram profundo sofrimento, angústia e dor, as menores mostravam agitação e terror de voltar para casa, a mulher passou a ter crises compulsivas de choro e a andar deprimida, sendo o seu quadro depressivo agravado por estar grávida, e o marido ficou angustiado e ansioso, e perdeu algumas deslocações profissionais ao estrangeiro pelo extremo cansaço decorrente da impossibilidade de dormir, estamos perante danos não patrimoniais que assumem gravidade suficiente para justificar a intervenção reparadora do direito”.

“A ilicitude, nesta perspectiva, dispensa a aferição do nível de ruído pelos padrões legais estabelecidos: a ilicitude de um comportamento ruidoso que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros está, precisamente no facto de, injustificadamente, e para além dos limites do socialmente tolerável, se lesar um dos direitos integrados no feixe dos direitos, liberdades e garantias pessoais.”

O tema já havia por mim sido debatido noutro blog  gerando todo o tipo de reacções e comentários por parte de colegas de profissão e cidadãos que se vêm confrontados com este verdadeiro flagelo social. Parte dos textos e comentários são anteriores ao Acórdão do Supremo, mas mantém actualidade, merecendo a sua republicação neste espaço, agora com vista a suscitar debate mais técnico entre os profissionais do foro.

Um dos maiores problemas da vivência em prédios constituídos em propriedade horizontal está relacionado com o ruído que com frequência se faz sentir. É o chamado ruído de vizinhança.
O artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Decreto-Lei 292/2000 de 14 Novembro, definia o ruído de vizinhança como o “ruído associado ao uso habitacional e às actividades que lhe são inerentes, produzido em lugar público ou privado, directamente por alguém ou por intermédio de outrem ou de coisa à sua guarda, ou de animal colocado sob a sua responsabilidade, que pela sua duração, repetição ou intensidade, seja susceptível de atentar contra a tranquilidade da vizinhança ou a saúde pública.”

Para a salvaguarda da tranquilidade da vizinhança e da saúde pública, as actividades ruidosas estão sujeitas a restrições. Assim, o exercício de actividades ruidosas é interdito durante o período nocturno, entre as 18 horas e as 7 horas, e aos sábados, domingos e feriados, excepto se autorizadas por licença especial de ruído concedida pela câmara municipal ou pelo governador civil.

Como proceder em caso de ruído de vizinhança?»

Quando houver uma situação de ruído de vizinhança os interessados podem apresentar queixa à autoridade policial da área. Sempre que o ruído for produzido no período nocturno, as autoridades policiais ordenam à pessoa ou pessoas que estiverem na sua origem a adopção das medidas adequadas para fazer cessar, de imediato, a incomodidade do ruído produzido. Se o ruído de vizinhança ocorrer no período diurno, as autoridades policiais notificam a pessoa ou pessoas que estiverem na sua origem para, em prazo determinado, cessar as acções que estão na sua origem ou tomar as medidas necessárias para que cesse a incomodidade do ruído produzido.

Sobre este tema recomendo consulta aos sumários do Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça entre 1997 e 2012 sobre Direito ao Descanso e ao sossego

Ainda sobre esta temática tive igualmente oportunidade de participar num debate promotivo pelo Rádio Clube Português conjuntamente com António Lino jurista da Deco e Romão Lavadinho da Associações de Inquilinos Lisbonenses. As opiniões dos meus colegas de painel coincidem com a minha: nada será como dantes na defesa do direito ao sossego e na reacção judicial contra os vizinhos barulhentos.

Pode ouvir na integra o debate neste link para a página do Rádio Clube Português.

Artigo publicado no Jornal Público sobre esta matéria: Impedir a vizinhança de dormir pode sair caro

Artigo publicado no nosso site sobre a reacção pela via admnistrativa/policial pelo Dr. Rui Dias: Ruído de vizinhança: Alertar as autoridades é alternativa?

Publicado originalmente em 18 de Julho de 2009. Actualizado em 21 de Fevereiro de 2012, em 2 de Setembro de 2016, em 4 de Setembro de 2017 e em 4 de Julho de 2018

Crime de perseguição vs Crime de perturbação da vida privada

O crime de perseguição (vulgo stalking) chegou recentemente ao ordenamento jurídico, tornando-se, não por culpa do aplicador do direito, mas de uma sociedade crescentemente disfuncional, num dos crimes da moda. 

Na esteira do Ac. da Relação de Lisboa de 16.10.2018 in www.dgsi.pt “o stalking designa um curso de condutas intrusivas e persistentes, prolongadas indeterminadamente no tempo, que podem ser compreendidas como atos persecutórios não queridos e perturbadores para a vítima. As condutas persecutórias materializam-se, portanto, em diversas “formas de comunicação, vigilância e contacto, exercidas sobre alguém que é alvo de um interesse e atenção continuados e indesejados. Diz-nos a experiência que o stalking envolve uma campanha de condutas que têm tendência a escalar em frequência e severidade ao longo do tempo” (Neste sentido sempre se dirá que “o stalking é um fenómeno que não é singular, que consiste, frequentemente, numa combinação de condutas criminais e dependendo do contexto, não criminais, que dificultam essa identificação” – Artur Guimarães Ribeiro CF. Op. Nota 39, p. 68

Contudo, este crime não afastou, a nosso ver, do nosso ordenamento jurídico-penal outras formas de abordagem de fenómenos similares, cujo tratamento e posologia penal nos parecem mais adequadas, como seja o crime de perturbação da vida privada, previsto e punido pelo Artigo 190 do Código Penal. 

Vejamos com mais detalhe, 

Estabelece o Artigo 154.º A n.º1 do CP que: “Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.”  

Nesta senda, tutela o artigo 154.º-A do Código Penal que, os elementos objetivos do tipo são, necessariamente, a ação do agente, que consiste na perseguição da vítima por qualquer meio, direto ou indireto por forma a provocar medo ou inquietação na esfera da vítima, obrigando-a, por vezes, a alterar o seu quotidiano em função deste crime. 

Na verdade, o crime de perseguição tem natureza continuada, dinâmica e múltipla, pelo que, não é permitido defini-lo a partir da ocorrência de um comportamento isolado e típico, mas por uma constelação de comportamentos que, prolongados no tempo, tendem a escalar em frequência e intensidade, tornando-se em ações inequivocamente intimidatórias e perigosas.   

Assim, não comete o crime de perseguição quem se dirige simplesmente a outrem, mas sim quem em função da sua atuação pode provocar medo ou inquietação. 

Neste sentido, entre outros, veja-se o disposto no sumário do Ac. do tribunal da Relação de Évora, no   âmbito do processo n.º  17/16.3GBRMZ.E1:   

“I – O crime de “perseguição” tem como elementos constitutivos: 

– A ação do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio (direto ou indireto); 

– A adequação da ação a provocar na vítima medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; 

– A reiteração da ação. 

Exige-se ainda o dolo do agente, em qualquer das suas modalidades. 

II – A “perseguição” (ou “stalking”) é um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Tais comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como, por exemplo, oferecer presentes constantemente, telefonar insistentemente), ou mesmo em ações inequivocamente intimidatórias (como, por exemplo, seguir a vítima constantemente – a pé ou em veículo automóvel -, enviar repetidas mensagens de telemóvel com conteúdo persecutório e/ou “ameaçador”, enviar correspondência escrita de idêntico conteúdo, etc.). 

III – Pela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode assumir tal frequência e severidade que afete não só o “bem-estar” das vítimas, como, mais do que isso, lhes cause medo ou inquietação ou as prejudique na sua liberdade de determinação.” 

No mesmo sentido, “O critério utilizado na aferição do medo, inquietação ou inibição da determinação deve ser o do homem médio, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto. As condutas têm de ser praticadas de forma reiterada, pois sem essa reiteração há o perigo de se punir condutas quotidianas, como o envio de presentes à vítima. Para além disso, o agente tem de atuar com dolo, para poder ser responsabilizado a título de perseguição.” Marisa Nunes Ferreira David, A neocriminalização do Stalking, Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2017, p. 43. 

Faz-se notar que a opção pelo crime de perturbação foi durante anos padrão na jurisprudência antes da autonomização do crime de perseguição, e pode e deve ser aplicado com grano salis em situações deste tipo com a vantagem de evitar a estigmatização da vítima e do agressor, lançando mão de um meio penal menos gravoso. 

E nem se diga que o crime de perturbação é exclusivamente praticado através de chamadas telefónicas, uma vez que as aplicações em causa nos autos se situam hoje no telemóvel de qualquer jovem, como o arguido e a vítima. 

E muitas destas aplicações com o Instagram e o Whatsapp permitem a realização de chamadas telefónicas e de vídeo. 

Nesta senda, atente-se ao disposto no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra processo n.º 718/11.2PBFIG.C1:

“1.- Com introdução do n.º 2 do art.190.º do Código Penal, através da Reforma de 1995 – « Na mesma pena incorre quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação.» – e, posteriormente, com acrescentamento ao mesmo da expressão « ou para o seu telemóvel» através da Reforma de 2007, o legislador quis abranger todas as formas possíveis de comunicação tecnicamente permitidas através de telefone, sejam fixos ou móveis, incluindo a palavra escrita para os telefones móveis, que com a sua receção emitem um som de aviso. 

2.- Uma vez que “telefonar” significa comunicar pelo telefone e que resulta dos factos dados como provados que o arguido, a partir do seu telemóvel enviou para o telemóvel do ofendido, as mensagens cujo teor consta da mesma factualidade, e que ao assim atuar quis e conseguiu perturbar a vida privada, a paz e o sossego do ofendido, conhecendo e querendo a realização daqueles factos antijurídicos e agindo com consciência da ilicitude, preencheu com a sua conduta todos os elementos constitutivos dos crimes de perturbação da vida .”  

Assim sendo, consideramos que ambos os crimes concorrem no sistema jurídica atual e que a aplicação de cada um dos crime dependerá sempre da intensidade dolosa da conduta (mais intensa na perseguição e mais suave na perturbação) e dos contexto da relação entre a vitima e agressor.

O que muda no Contrato de Serviço Doméstico

No momento em que escrevemos estas linhas o contrato de serviço doméstico rege-se ainda pelo disposto no Decreto-Lei Nº 235/1992, de 24 de Outubro. Ao diploma – que sofrerá alterações profundas em breve – previa já a redução a escrita, a existência de descontos para a segurança social, normas especiais quanto ao período normal de trabalho (aferido em termos médios – artigo 13º) e até quanto ao direito a férias (artigo 16º).

A chamada Agenda do Trabalho Digno, cujos diplomas foram aprovados a 10 de Fevereiro de 2023, inclui várias alterações ao Código do Trabalho e demais legislação laboral nomeadamente no que diz respeito ao trabalho doméstico — desde a criminalização do trabalho não declarado (com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias) até à aplicação subsidiária de várias normas do Código de Trabalho. A versão final terá ainda de ser promulgada pelo Presidente da República, estimando-se que possa entrar em vigor em meados de Abril de 2023.

Aqui ficam em síntese as principais alterações: 

Período normal de trabalho e descanso: o período normal de trabalho passa a ter como limite 40 horas semanais, em vez de 44, continuando a poder ser aferido em termos médios. O trabalhador alojado em casa tem direito a um repouso noturno de, pelo menos, 11 horas consecutivas (em vez de oito);

Compensação por cessação de contrato: na cessação de contrato a termo quando este ocorre por não renovação o empregador passa a ter de pagar uma compensação que será de 24 dias de salário base por ano trabalhado;

Novo pré-aviso justificado: se contrato caducar por “manifesta insuficiência económica do empregador” ou por “alteração substancial das circunstâncias de vida familiar do empregador que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, o empregador terá de avisar com a antecedência de 7 dias (caso o contrato tenha durado até seis meses), 15 dias (seis meses a dois anos) ou 30 dias (mais de dois anos), indicando o motivo;

Período experimental e aplicação do código: o período experimental do trabalhador, que é é de 90 dias, pode ser de 15 ou 30 dias nos contratos a termo. A aplicação subsidiária do Código do Trabalho também leva à aplicação dos regimes de parentalidade, férias, Natal, trabalho suplementar ou faltas, entre outros.

Retribuição, suspensão e resolução do contrato de trabalho

O contrato de trabalho é um negócio jurídico oneroso, pelo que, como contrapartida da prestação do trabalho por parte do trabalhador, existe uma prestação de cariz patrimonial a cargo do empregador, considerando o Código do Trabalho que por retribuição deve entender-se “a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho” (art. 258º, n 1, do Código do Trabalho).

Determina, ainda, o mesmo artigo no seu nº 3, que por retribuição deve presumir-se qualquer prestação do empregador ao trabalhador

Pela prestação do seu trabalho o trabalhador adquire um crédito retributivo, que se vence “por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês do calendário” (art. 278º, nº 1, do Código do Trabalho), devendo ser paga “em dia útil, durante o período de trabalho ou imediatamente a seguir a este” (art. 278º, nº 2, do Código do Trabalho).

Com efeito, a retribuição deve ser paga em dia útil, especificando, ainda, o Código do Trabalho em relação ao montante da retribuição que este “deve estar à disposição do trabalhador na data do vencimento ou em dia útil anterior” (art. 278º,nº 4, do Código do Trabalho), constituído contraordenação grave a violação deste artigo (art. 278º, nº 6, do Código do Trabalho).

Nessa medida e tendo em conta o vencimento base mensal, o pagamento ao trabalhador deve ser efetuado até ao último dia útil do mês a que diz respeito.

De igual modo, na ausência de pagamento do vencimento nas datas supra indicadas e caso decorra um prazo superior a 15 dias, pode o trabalhador suspender por sua iniciativa o contrato de trabalho e caso tal mora não cesse no período de 60 dias, proceder à resolução do contrato de trabalho por justa causa.