Advogados proletários?

Parece crescente a inquietação com o fenómeno que passou a existir entre os estudantes, candidatos à advocacia e profissionais do direito, a que alguns chamam, com propriedade, de “proletarização da advocacia”. Na base desta qualificação encontra-se o facto de enquanto profissionais historicamente os advogados terem gozado de prestígio e estatuto social por exercerem funções imprescindíveis ao Estado de Direito. Contudo, nos últimos anos muitas mudanças ocorreram na composição, formação e modelo de trabalho dos escritórios de advocacia. Na composição, o crescimento exponencial do número de advogados – de 1.964 em 1960 para 30.475 em 2016 segundo o Pordata – originou um excesso de oferta. Na formação a exigência desceu nas Universidades e na formação inicial na Ordem o que conduziu à redução da qualidade dos serviços prestados. Nos escritórios os serviços jurídicos transformaram-se em simples mercadorias numa aproximação ao modelo das empresas fazendo com que os advogados e advogadas vão perdendo o domínio completo de seus processos, que antes acompanhavam do início ao fim. Já se escreveu que este processo transformou operadores do Direito em verdadeiros “operários do direito”, integrados numa empresa ou a viver exclusivamente do mecanismo de apoio judiciário.

A questão contaminou igualmente a discussão na Ordem dos Advogados sobre o que queremos do nosso sistema privativo de Segurança Social (fundo de pensões de reforma até como até aqui ou conversão num sistema assistencialista) e estou em crer terá sido mesmo determinante nas recentes escolhas dos advogados dos representantes eleitos no final de 2019.

Feito o diagnóstico – que é pacífico – parece existirem duas soluções em confronto genericamente aceites como únicas e opostas. Do lado progressista, vozes como as do Dr. José Manuel Pureza em “os Advogados Proletários” (https://www.esquerda.net/opiniao/os-advogados-proletarios/53299)  têm defendido a “obrigação de aplicação das regras do Direito do Trabalho (a começar pela celebração de contratos de trabalho)” e a implementação de direitos sociais (parentalidade, doença, etc.) em substituição da atual Caixa de Previdência. Do lado conservador, vozes como o Dr. Manuel Magalhães e Silva em entrevista à Revista do Conselho Regional da Ordem dos Advogados (http://livraria.aafdl.pt/index.php?id_product=966&id_product_attribute=0&rewrite=revista-do-conselho-regional-de-lisboa-da-ordem-dos-advogados-1&controller=product&id_lang=5 ), defende restrições no acesso à profissão com a obrigatoriedade de realização de mestrados (com currículos definidos pela Ordem) e a sua superação com uma média de no mínimo 14 valores, por forma a franquear o acesso à profissão apenas “aos melhores”.

Salvo o devido respeito – que é muito – pelas posições enunciadas, pensamos que a solução não se encontra no aumento das já altíssimas contribuições dos membros da Ordem para a criação do “perfeito” sistema assistencialista; nem tão pouco nas limitações à ofertaA solução – estamos em crer – está do lado da procura e do seu estimulo.

Eyal Katvan, Carole Silver, Neta Ziv, Avrom Sherr escrevem em Too Many Lawyers?: The future of the legal profession, Routledge, 2016 (https://www.amazon.com/Too-Many-Lawyers-future-profession/dp/1138212792):

“Legal professions emerged and matured by aggressively restricting supply, thereby increasing the monopoly rents they were able to extract and produce rising – same would say excessive – lawyer incomes. Recent increases in the production of lawyers were the response. They may have overshot the mark. Certainly, law school enrolments failed to respond quickly to the global recession. But rather rush to impose “solutions” that once again restrict the production of lawyers, we should reflect on the historical and comparative of supply control by lawyers. The legal profession exists to serve the public, not its own members. Entry barriers can be justified only if they are demonstratively necessary to ensure a minimum level of competence. Advocates of restrictive practices must show they are essential to protect clients against lawyers overreaching or misconduct. Efforts to expand access to justice should be applauded and not stigmatized”.

Não podíamos concordar mais: a solução está no aumento do acesso aos serviços jurídicos e não na limitação da oferta. E havendo situações que escapam ao controlo dos profissionais porque dependentes exclusivamente do poder político (como a justíssima proteção dos condenados em Processo Penal no acompanhamento nos processos instruídos nos Tribunais de Execução de Penas ou o alargamento da proteção jurídica obrigatória nos litígios fiscais), há situações que dependem da auto regulação da Ordem e podem incrementar a procura de serviços jurídicos.

Deixo, sem qualquer pretensão, dois exemplos autoexplicativos: Primeiro, a adoção do patrocínio obrigatório conjunto por dois advogados (um com mais de 5 anos de carreira e outro jovem) em determinados processos de maior complexidade (litígios cíveis que ultrapassem a alçada a Relação ou no julgamento de crimes da competência do Tribunal Coletivo). Se nestes processos o Estado entende – e bem – que a decisão deve competir a mais do que um magistrado porque é que a representação de um particular que têm em jogo a sua vida ou património fica confiada a um solista? (nos sistemas saxónicos uma solução similar assente na diferença entre “solicitor” e “barrister” funciona com sucesso desde o Sec. XIX). Segundo, novo aligeiramento das regras da publicidade por forma a permitir a democratização no acesso aos media e redes sociais e colocar o mercado concorrencial a funcionar (concorrência com regras entre colegas, mas também com outras profissões que não raro praticam impunemente os nossos “atos próprios”). Não podemos continuar a chorar sobre o “leite derramado” do desvio de clientes da advocacia pela “porta do cavalo” por parte de grandes empresas, solicitadores e contabilistas no mercado selvagem da recuperação de créditos quando nos negamos eticamente de lhe dar a merecida luta…

A massificação e a proletarização da advocacia só serão combatidas pelo mercado e não por manifestações de rua, restrições regulamentares ou subvenções estatais, e espero e confio, que os recém eleitos dirigentes da nossa Ordem perfilhem esta filosofia.

O que não te ensinam no estágio

O desencanto com o exercício da advocacia é muito comum entre os jovens licenciados em direito que se encontram a realizar o seu estágio na Ordem dos Advogados. Em Portugal não conheço estudos sobre esta matéria mas é gritante a desproporção entre o número de inscritos no estágio e aqueles que vencem com sucesso a sua agregação (menos de 30% no Conselho Distrital de Lisboa). Nos Estados Unidos um estudo da American Bar Association revela um enorme descontentamento com a profissão sobretudo entre os mais novos.

Com sinceridade acho que muitos jovens licenciados em Direito escolhem a carreira pelas razões erradas e que antes de embarcarem na viagem demorada, cara e exigente do estágio deveriam procurar educar-se sobre as realidades da prática jurídica. Neste artigo procurarei dar um contributo desapaixonado (e provavelmente cruel a espaços) da realidade que vos espera.

Um.O caminho mais curto nem sempre é o que te faz chegar primeiro. O estágio é longo. Demasiado longo e pouco orientado para prática (se querem saber a minha opinião). Mas isso não significa que que o estagiário deva procurar atalhos na sua carreira. Realizar o estágio numa empresa multinacional de cobranças em massa pode trazer retorno financeiro imediato mas é um pobre opção de carreira porque te afasta de qualquer prática profissional relevante. Isto para além ficar mal em qualquer curriculum (já para não falar do constrangimento ideológico à face da Lei dos atos próprios dos Advogados e Solicitadores).

Dois. O tempo é o teu maior património. Usa-o bem. Mas não deixes de o usar com parcimónia. O candidato à advocacia que engoliu o relógio raramente chega ao fim do estágio. “Um advogado não tem horas” escreveu Ary dos Santos. (Ary dos Santos, Nós os Advogados, 1934). “As suas horas são as dos seus clientes, e cada cliente é um patrão que entende que o seu assunto deve passar por cima de todos os outros”. No estágio deves ser o primeiro a chegar e sair com o último dos teus colegas porque muito que isso te prive do convívio do familiares e amigos, do último festival de música ou do próximo derby do teu clube do coração.

Três. A advocacia não é um caminho garantido para o sucesso financeiro. Muito pelo contrário a maioria dos advogados que conheço têm empobrecido alegremente nos últimos anos vitimas da crise, da desjudicialização dos litígios, do desinvestimento público no setor e da desvalorização do ato jurídico (e de tantas outras razões que não cabem nesta artigo; algumas relacionadas com a sua auto-organização e com a organização da nossa Ordem profissional). E se dividires o número de horas que a profissão te exige (60-80 horas por semana pelo menos segundo o estudo supracitado) mesmo os maiores honorários que vieres a receber não parecerão tão generosos.

Quatro. Os advogados não têm uma vida glamourosa e emocionante. A vida de um advogado é mal retratada em programas de televisão. A maioria do nosso trabalho ocorre fora do tribunal (com exceção do Direito Penal menos de um por cento de todos os assuntos tratados num escritório de advogados avança para julgamento). A grande maioria dos casos são resolvidos fora do tribunal por transação ou através de métodos alternativos de resolução de litígios pelo que o nosso quotidiano é bastante monótono. E não há espaço para solistas engraçadinhos, ao contrário do que te querem vender no Suits. Num dos blockbusters deste Verão “Os Guardiões da Galaxia” da Marvel a personagem Groot, uma árvore humanoide, não tarda a aprender como tu a conjugar “nós” em vez de “eu”. Não há volta a dar: vais passar nos próximos anos longas horas a rever vezes sem conta tediosos documentos e depressa compreenderás que no teu escritório de advocacia pouco ou nada gira à volta do teu umbigo.

Cinco. O estágio não serve para aprenderes direito. O tempo dos matraquilhos na Faculdade de Direito, das borgas com os colegas e dos indecifráveis doutos ensinamentos presos com cuspo já passou. O estágio não é um mestrado feito no escritório do patrono. E o mestrado pós Bolonha é (infelizmente) uma forma das Faculdades de Direito ganharem dinheiro à tua conta e que a Ordem tem para contornar o problema de excesso de candidatos à entrada da profissão. No fim de cada dia o estágio é uma preparação para a profissão onde as aptidões que tens de demonstrar são tua produtividade e rentabilidade. Não saber não é desculpa para não ires à procura da solução; ainda que tenhas que dedicar a um assunto mais tempo que os teus colegas.

E, por último, mas não menos importante,

Seis. O advogado não defende só causas justas e pessoas inocentes. E não obstante um advogado poder (e dever) ser um instrumento de mudança social, o litígio tem quase sempre menos a ver com a virtude triunfando sobre o mal e mais com a defesa posição do teu cliente com base nos factos e na legislação aplicável. Desengana-te que não vais conseguir mudar o mundo a partir das quatro paredes do escritório do teu patrono. As decisões judiciais não são tanto sobre a procura da justiça ou do certo contra errado como sobre o alcance de um acordo socialmente aceitável entre todas as partes.

Desculpam-me a frontalidade: mas se estas linhas te chocam estás enganado na tua escolha profissional e ainda vais muito a tempo de mudar de vida…

Renúncia do mandato. Sair enquanto é tempo

O nosso Estatuto Deontológico diz que o advogado deve recusar patrocínios que considere injustos e não prestar serviços quando suspeitar seriamente que a operação ou atuação jurídica em causa visa a obtenção de resultados ilícitos. Salvo, o devido respeito o que diz o Estatuto é certo mas é muito curto. O advogado deve também recusar o patrocínio a clientes que julgam saber tudo, àqueles que têm expectativas pouco razoáveis quanto à viabilidade da sua pretensão, e ainda aqueles que já trocaram de advogado três vezes antes de o tentar contratar. Não estou a gracejar: é um prazer trabalhar com pessoas inteligentes. Torna o nosso trabalho mais fácil quando representamos clientes que fazem bem o seu “trabalho de casa” e chegam ao escritório com as perguntas certas. Mas há uma linha que separa o cliente que se pretende manter informado e ativo nos seus assuntos daquele que quer dirigir o processo, o advogado, ou até mesmo ser o advogado. É uma linha que não podemos deixar ninguém cruzar em nome da nossa autonomia técnica e independência, mas sobretudo e no fim do dia, da nossa própria sanidade mental.

Deixo umas notas de experiência para sobreviver a um cliente abusivo.

Primeiro, não aceite o patrocínio. Mesmo nestes tempos de crise o distinto colega que me esteja a ler não tem que aceitar cada cliente que lhe entra pela porta, não importa o quão necessitado, simpático ou poderoso possa ser. Na verdade, não raro tem a obrigação ética de dizer “não”.

Segundo, se aceitou o patrocínio e só mais tarde se apercebeu do tipo de cliente que tinha do outro lado da mesa, ainda não é tarde para renunciar ao mandato ou pedir escusa do patrocínio oficioso. As pessoas não melhoram com o tempo e o cliente furioso que demoniza a outra parte – ou o sistema judicial em geral – nunca ficará satisfeito.

Terceiro, aprenda a identificar os sinais de alarme. Os clientes que foram rejeitados por todos os outros colegas e que injuriam o seu anterior mandatário na praça pública (ou o colega da parte contrária), os que conhecem um Juiz amigo que lhes disse como o processo devia ser conduzido e os tiraram o curso de Direito pela televisão ou na Internet são um desastre à espera de acontecer. O colega pesará os riscos e os benefícios. Mas o lugar-comum de que nas costas dos outros vemos as nossas é aqui muito bem aplicado.

Quarto, não deixe frustrar mesmo o que parece ao seu cliente um mau acordo. Não me lembro nestes anos que levo de advocacia que um cliente me tenha elogiado pelo acordo obtido. Um acordo implica cedências reciprocas e para o cliente isso é sempre mau (e culpa do advogado…). Quando o cliente diz “isso não é sobre o dinheiro, é uma questão de princípio” está a mentir. Lá no fundo – mesmo na irracionalidade do litígio – há sempre uma  possibilidade de compromisso. Ainda que uma réstia. E se não há alguma coisa de muito grave se passa com o cliente. Saia enquanto pode.

Não vos quero parecer cínico. Não tenho idade ou estatuto para isso. E na maior parte dos casos forjam-se na relação entre advogado e cliente amizades para toda a vida. Mas há sempre aquelas exceções para as quais temos de estar preparados. Até para não azedarmos para a vida.

O princípio de Pareto

Em 1906 o economista italiano Vilfredo Pareto observando a sua pequena horta chegou à brilhante conclusão que 80% das ervilhas provinha de apenas 20% das vagens. A conclusão que daí extraiu – que cerca de 80% dos efeitos provêm de 20% das causas – não se ensina nas Faculdades de Direito, mas é uma daquelas ideias que cada advogado deveria dedicar pelo menos uns minutos.

Quantas vezes temos a sensação que o tempo gasto em atividades não essenciais ou improdutivas nos nossos escritórios corresponde à maior fatia nossa agenda pessoal e profissional e que apenas uma pequena parte das nossas atividades trazem valor acrescentado aos assuntos dos nossos clientes e equilíbrio às nossas vidas?.

Assim, em vez de ter uma app manhosa no meu telemóvel que lista as coisas que tenho para fazer, como resolução para o novo ano, alinho um conjunto de “tarefas a não fazer” em 2014 (penso que são todas auto explicativas pelo que não me alongarei noutras considerações):

– Tentar incutir bom senso num cliente abusivo.

– Ser incapaz de dizer “não” a um pedido de ajuda de um estagiário quando estou já sobrecarregado.

– Abrir e ler todos os e-mails do servidor do escritório todas as manhãs ao acordar, mesmo os que não me são dirigidos.

– Atender a chamada de um cliente às 2 da manhã ou responder-lhe no Facebook .

– Ir a eventos de networking, aos jantares da Ordem e a convívios com antigos colegas de curso.

– Jogar incessantemente Angry Birds durante o fim-de-semana.

Sei que provavelmente não serei capaz de cumprir todas as minhas “tarefas a não fazer”, mas só o facto de enumerar os meus 80% de vagens vazias infunde-me a esperança de conseguir gerir melhor o meu tempo e ter um novo ano mais próspero. A sério!.

O paradoxo do desejo

Escreveu Virgílio Ferreira na sua infinita sabedoria que “o maior paradoxo do desejo não está em procurar-se sempre outra coisa: está em se procurar a mesma, depois de se ter encontrado”. É quase sempre assim nas relações pessoais. Mas também nas relações profissionais.

Julgo ser esse imenso paradoxo que nos leva a evitar falar de uma relação falhada. Não me recordo aliás de ter lido ou encontrado recentemente nos blogs ou nos manuais de gestão nas profissões jurídicas referências a como lidar com anteriores parcerias ou relações profissionais, e mais ainda, qualquer análise objetiva ou puramente introspetiva sobre o que correu mal.

O tema é impopular ao ponto de numa tertúlia de antigos colegas todos parecerem querer dar a impressão de que a anterior relação foi uma espécie de etapa para o que se se encontrou agora ou para o que vai ser. Esta perceção que se quer fazer passar será na maioria dos casos falsa – uma espécie de mecanismo de autodefesa – tanto quanto o tema divórcio surge em conversa num círculo de amigos.

Um divórcio numa relação profissional não é afinal muito diferente de um divórcio civil na maioria dos aspetos.

Ninguém ganha. Divide-se o escritório, vendem-se as coisas que ninguém quer e a muito custo pagam-se as contas que ficaram. Arquivam-se as peças processuais conjuntas e as declarações fiscais. Luta-se. Chora-se. Em vez de decidir quem fica com a guarda dos filhos, espera-se que os clientes decidam a quem preferem confiar os seus assuntos. Se as coisas correrem mal o suficiente, acaba-se na mediação, na Ordem ou mesmo no tribunal para decidir o que resta.

Na minha já longa vida profissional já tive várias vezes de enfrentar separações difíceis. Nenhuma correu particularmente bem. Todos acabámos por nos sentir traídos. Todos cansados. Aprendi a custo que não vale a pena lavar roupa suja em público sobre as razões que nos levam a deixar de contar com colaborares competentes e valiosos ou as razões que os fizeram querer mudar de ares. Acontece. Todos atribuímos significados diferentes aos nossos projetos de carreira. O dinheiro. A ética profissional. A posição entre os pares. O tempo para nós próprios. Não há uma ideia única quanto à gestão um projeto empresarial, como não há um modelo de escritório de advocacia. Há quanto muito exemplos. Alguns bons, outros nem por isso. No resto legitimamente discorda-se. Discorda-se da forma como prestamos serviços aos clientes e até que serviços oferecemos. Discorda-se da distribuição das tarefas, das responsabilidades, dos processos. E há até os casos de sublimação da discórdia em que alguém se apercebe que não é feliz a exercer advocacia e decide mudar de vida.

Há infinitas razões para que um escritório de advocacia ou uma sociedade de advogados não corra bem e em muitos casos não há culpas a atribuir. Não que a ausência de culpa, possa curar as inevitáveis feridas. Isso só o tempo…

Hoje em dia, sou amigo de quase todos os colegas com quem partilhei a toga, mas quase sempre à distância. Não é que não ache que não sejam excelentes profissionais ou que hesite por um momento em subestabelecer algum trabalho jurídico. Mas a verdade é que não conversamos muito para além das trivialidades da vida – música, cinema, fotografia, teatro, um filho. E mais online, no Facebook, que cara a cara. Não faço ideia do que pensam de mim profissionalmente, nem me importo de perguntar. Já esqueci o que me disserem e o que lhes disse. Mas como nos divórcios há sempre um desconforto associado à separação que mesmo com o passar dos anos dificilmente conseguimos superar.

É tal paradoxo do desejo que na vertigem do hoje nos faz oscilar entre um pretérito mais que prefeito e um futuro mais que incerto.

Não me quero ficar pelo fatalismo, quase sempre imobilista (exemplos não faltam: basta abrir a televisão e ouvir os fazedores de opinião sobre o País), pelo que a pergunta se impõe:

Será que estas situações se podem evitar ou até minimizar? Deixo 3 ideias que não são novas, mas que não me parecem de desprezar.

Conhecer o teu trabalho e o do parceiro. Quanto mais penso sobre o assunto mais me convenço que só quando nos conhecemos bem a nós próprios pudemos ousar sequer começar o conhecer os outros. Mas a segurança quanto aquilo que queremos e ao rumo traçado não é suficiente. Da mesma forma que (salvo para alguns timoratos) o casamento não deve ser encarado com ligeireza, antes precedido de um prolongado namoro, também uma relação profissional deve ser posta à prova antes mesmo de começar. Se há “esqueletos no armário” – pessoal ou profissionalmente – é melhor descobrir antes. Sobretudo numa profissão em que a ética e a deontologia profissionais são a pedras de toque. Confiar um assunto de um cliente de uma vida a uma pessoa em que não confiamos inteiramente é provavelmente o maior erro que já cometi.

Fazer as perguntas certas. Para conhecermos e nos darmos a conhecer é preciso falar longamente sobre o trabalho, o grupo, os egos, os honorários, o marketing, os clientes, tudo. E fazer todas as perguntas antes: o que é que esperamos de um projeto conjunto? Que objetivos pretendemos realizar?. Quais os benefícios que esperamos obter?. E perceber os pequenos sinais. As pessoas tentam criar uma imagem de si próprias que raramente tem correspondência com a realidade. Por isso não é garantido que a relação sobreviva aos stresses do dia a dia pelo que escrever um rascunho do projeto conjunto, identificando os pontos fortes e fracos de cada um, ou mesmo convidar para um mês de trabalho conjunto antes de selar qualquer compromisso é essencial.

Ser auto-suficiente. Ninguém quer um parceiro de negócios, cujo trabalho não constitua uma mais-valia profissional e financeiramente, assim como ninguém quer uma “cara metade” que não seja auto suficiente. As melhores parcerias são aquelas em que cada qual age como se tivesse a exercer a profissão em prática isolada, dando e recebendo na justa medida do seu empenho e mérito. Investir profissionalmente em alguém – mesmo num jovem no decurso do estágio – deve sempre ter como contrapartida o trabalho e a remuneração desse trabalho no presente e não só a expectativa do que este possa vir a ser ou a fazer no futuro.

Estou absolutamente convencido que uma grande amizade não determina forçosamente uma boa relação profissional. Alguns dos meus melhores colaborares não os conhecia de parte nenhuma antes de trabalharmos em conjunto. E houve amigos que se encostaram na amizade não justificando no trabalho realizado. Mas uma coisa é certa: uma má pareceria profissional dá cabo de qualquer amizade, pelo que o único conselho que posso dar é que sempre que confrontados com o paradoxo do desejo saibamos no que se estamos a meter antes de dizer que SIM ou ADEUS.