Discute-se neste artigo a quem pertence a legitimidade passiva relativamente a uma ação movida pela falta de entrega da contabilidade ao novo contabilista por parte do anterior. A questão tem pertinência em face das múltiplas formas de organização previstas no estatuto da OTOC que permite que pessoa ou entidade diversa do contabilista possa ser responsável pela contabilidade, designadamente uma empresa. E a dúvida que se suscita nestes casos é precisamente quem deve responder pela falha: a empresa com a qual o cidadão celebrou a prestação do serviço, o contabilista responsável pelo dever deontológico, ou ambos.
Dispõe o artigo 30.º do CPC “1 – O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. 2 – O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3 – Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Mais ainda, dispõe o artigo 4.º do Código Deontológico dos Contabilistas Certificados, com a epígrafe Independência e conflito de deveres que “1 – O contrato de trabalho celebrado pelo contabilista certificado não pode afetar a sua isenção nem a sua independência técnica perante a entidade patronal, nem violar o Estatuto dos Contabilistas Certificados ou o presente Código Deontológico”.
Acrescenta o artigo 5.º, sob a epígrafe Responsabilidade, que “1 – O contabilista certificado é responsável por todos os atos que pratique no exercício das profissões, (…)”.
E, ainda, estipula o artigo 10.º, sob a epígrafe Confidencialidade que “1 – Os contabilistas certificados e os seus colaboradores estão obrigados ao sigilo profissional sobre os factos e documentos de que tomem conhecimento no exercício das suas funções, devendo adotar as medidas adequadas para a sua salvaguarda. 2 – O sigilo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo. 3 – A obrigação de sigilo profissional não está limitada no tempo, mantendo-se mesmo após a cessação de funções”.
Por fim, esclarece o artigo 16.º, sob a epígrafe Lealdade entre contabilistas certificados que “1 – Nas suas relações recíprocas, os contabilistas certificados devem atuar com lealdade e integridade, abstendo-se de atuações que prejudiquem os colegas e a classe”.
Em face deste excerto legislativo somos de opinião que a nova contabilista de um cidadão o deve fazer à anterior contabilista e não a uma sociedade terceira com que o cidadão contratualizou. E com base nestas considerações é a contabilista e não a empresa a titular da legitimidade passiva em Tribunal.
Na verdade, mesmo que o cidadão tenha celebrado contrato de prestação de serviços com a sociedade e não com a contabilista, este não prejudica a independência e isenção desta.
Explica o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 5968/16.2T8VNG.P1, de 18/09/2017, que “Face à previsão da lei – art. 30º CPC – para efeitos de aferir da legitimidade interessa apenas a relação jurídica controvertida com a configuração subjetiva que o autor (unilateralmente) lhe dá”.
Desta forma, se o pedido se destina à devolução dos documentos contabilísticos e é obrigação legal da contabilista a sua preservação e entrega, são sujeitos da pretensão formulada em Tribunal o cidadão e a contabilista.