Garantia de bom funcionamento no contrato de locação de bens móveis

Da informalidade do aluguer de equipamentos móveis

O contrato de aluguer de equipamentos móveis suscita frequentes dúvidas relativas às garantias para bom cumprimento do mesmo, quer para o locador, quer para o consumidor.

Desde logo, estas formas contratuais caracterizam-se pela informalidade, quando relativas a pequenos equipamentos de uso domésco, sendo a troca de emails ou um formulário eletrónico a base contratual.

Ora, um contrato é o acordo pelo qual duas ou mais partes ajustam reciprocamente os seus interesses, dando-lhes uma regulamentação que a lei traduz em termos de efeitos jurídicos – Galvão Telles, Direito das Obrigações, V Edição, pág.55

Ou seja, celebrando este acordo ao abrigo da liberdade contratual prevista no art.405º CC as partes assumem obrigações. A obrigação, nos termos do artigo 397.º é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação.

O contrato dispõe assim de eficácia jurídica inter partes e esta eficácia determina, nos termos do artigo 406.º do Código Civil, que o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.

Nestes casos o contrato celebrado é um contrato de locação, mais propriamente um contrato de aluguer uma vez que respeita a coisas móveis e portanto, está assim sujeito ao regime contido nos artigos 1023º e seguintes do Código Civil.

Em termos gerais, a celebração de um contrato, nomeadamente, um contrato de aluguer dispõe de força jurídica e o seu cumprimento pode ser exigido por qualquer uma das partes, independente da informalidade patenteada.

Da responsabilidade contratual

Em primeiro lugar cumpre referir que a responsabilidade pela coisa locada, por parte do locatário é prevista em sede do regime do contrato de locação, nomeadamente nos arts. 1038º alínea d), h), i), e, para o que aqui nos interessa, mais propriamente nos artigos 1043º e 1044º do Código Civil.

Assim, nos termos do art. 1043º:

  1. Na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.
  2. Presume-se que a coisa foi entregue ao locatário em bom estado de manutenção, quando não exista documento onde as partes tenham descrito o estado dela ao tempo da entrega.

E nos termos do artigo 1044º:  o locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa, não exceptuadas no artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela.

Por norma, em sede de cada contrato o legislador prevê a responsabilidade que cabe às partes, contudo sempre é possível recorrer ao regime geral de responsabilidade civil.

A responsabilidade civil pode ser classificada em responsabilidade civil delitual, (ou extracontratual) e responsabilidade obrigacional (ou contratual).

Assim, a responsabilidade civil pode, no que ora nos interessa, verificar-se no âmbito de um contrato, gerada pelo incumprimento de uma das partes, conforme resulta dos artigos 798º e ss do Código Civil.

Estatui o artigo 798º do Código Civil que o devedor que falta culposamente ao cumprimento de uma obrigação torna-se responsável pelo prejuízo causado ao credor. A responsabilidade traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado. Sendo um dos pressupostos de indemnizar, a lei prevê, para além do dolo, a culpa, como um dos requisitos a qual se presume em sede contratual.

Este dever de indemnizar compreende não só os prejuízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão — artº 564º do Código Civil. O prejuízo surge, pois, como um elemento novo a acrescer ao facto ilícito e à culpa, sem o qual o agente não se constituiria na obrigação de indemnizar.

Os danos podem ter um conteúdo económico (danos patrimoniais) abrangendo os danos emergentes (efetiva diminuição do património do lesado) , o prejuízo causado nos seus bens, e o lucro cessante (os ganhos que se frustraram por causa do facto ilícito) , ou imaterial (danos não patrimoniais ou morais, que resultam da ofensa de bens de carácter espiritual ou morais, e que não sendo suscetíveis de avaliação pecuniária, podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesante).

A reparação dos danos deve efetuar-se em princípio mediante uma reconstituição natural, isto é, repondo-se a situação anterior à lesão; mas quando isso não for possível, ou não repare integralmente os danos, ou seja, excessivamente onerosa para o devedor, então haverá que subsidiariamente fixar‑se a indemnização em dinheiro – cfr. artsº 562º e 566º do Código Civil.

Das garantias

Nos termos do artigo 232.º o contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado, em todas as cláusulas sobre as quais, qualquer delas tenham julgado necessário tal acordo.

Ora tendo sido acordado o ressarcimento, e mesmo que não tivesse sido acordado, o princípio da boa fé que vigora desde a celebração do contrato até o seu cumprimento/fim, impõe que a parte aja com diligência e no caso de danos que repare os mesmos. O que aliás é também imposto pelo regime da responsabilidade civil, como acima se verificou.

Contudo, para uma maior segurança pode o locador autenticar o contrato perante notário, advogado ou solicitador e desta forma o mesmo servirá de título executivo pois nos termos do art.º 703º alínea b) do Código de Processo Civil à execução podem servir de base os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.

Com este título executivo pode o locador em sede de ação executiva exigir o cumprimento das obrigações resultantes do contrato, nomeadamente a reparação dos danos ou indemnização pelos mesmos.

No caso de não autenticar o documento, dispõe de outra alternativa para conseguir título executivo, a saber:  a injunção – que é nos termos do art.º 7º do Anexo ao Decreto-Lei 269/98 de 1 de Setembro, a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações (no que aqui interessa) emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000.

Prazo de garantia nos imóveis destinados a longa duração

É corrente questionarem-nos sobre o prazo de garantia nos imóveis destinados a longa duração, e sobre a responsabilidade concreta do empreiteiro, em caso de defeitos. Cumpre-nos a este respeito salientar que cada caso terá as suas especificidades, mas que haverá uma linha transversal ao regime da garantia nos bens imóveis, que poderemos explorar.

Desde logo, esta matéria vem regulada no artigo 1225.º do Código Civil, o qual nos refere o seguinte:

Artigo 1225.º

Imóveis destinados a longa duração

1 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.

       2 – A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.

       3 – Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221.º

       4 – O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.

Quer isto dizer que existe um prazo legal de garantia, de 5 anos – que pode ser superior caso as partes assim o convencionem – em que o empreiteiro responde pelos danos causados ao dono da obra que sejam decorrentes de vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ou apresentar defeitos.

Este prazo de 5 anos começa a contar na data da entrega do imóvel, e sua aceitação, sem defeitos aparentes, que normalmente corresponde no caso da aquisição de imóvel, à data do registo pelo adquirente, e no caso das partes comuns de prédios em propriedade horizontal, a contar da data da realização da primeira assembleia de condóminos, data a partir da qual se constitui a entidade que pode exercer o direito de denúncia desses defeitos, ou seja, o Condomínio.

Seguimos por isso a posição de que o prazo se inicia, quanto às partes comuns, com a realização da primeira assembleia constitutiva do condomínio, aliás, na esteira do que o defende o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/11/2011, que nos refere que:

“I – A contagem do prazo de 5 anos para denúncia dos defeitos de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração, previsto no art. 1225.º, n.º 1, do CC, inicia-se no momento da entrega do prédio por parte do construtor/vendedor.

II – Tal entrega considera-se feita no momento em que o vendedor entrega o prédio à assembleia de condóminos, ou seja, no momento a partir do qual o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos e identificados com os interesses comuns.

III – Este momento – da cisão do vendedor do prédio vendido – pode coincidir, ou não, com a constituição da assembleia de condóminos, sendo que, se quando esta for constituída o prédio estiver entregue, será a partir deste momento que se passará a contar o prazo de 5 anos, se o prédio não estiver concluído e não estando em condições de ser entregue à assembleia de condóminos para que esta possa exercer todos os direitos de fiscalização sobre as partes comuns, o dies a quo a partir do qual deve ser contado o inicio do prazo dos 5 anos deverá ser a partir da entrega do prédio para uma entidade/administração distanciada do vendedor e com plena autonomia para denunciar os eventuais defeitos existentes na obra.

IV – O legislador, no caso de imóveis destinados a longa duração, pôs à disposição do dono da obra e do terceiro adquirente: um prazo de 5 anos, durante o qual, se forem descobertos defeitos, os pode denunciar (prazo de garantia supletivo), e outro prazo de 1 ano, a partir do seu conhecimento, para os denunciar, o que valerá por dizer que o dono da obra tem um prazo – de 5 anos – em que se ocorrer a descoberta de um defeito o pode denunciar, mas que exaurido esse prazo, e não tendo operado qualquer denúncia, queda peado o direito à denúncia de defeitos.

V – O dono da obra ou o terceiro adquirente, para fazer valer com êxito uma pretensão para reparação de defeitos detectados numa obra de longa duração, terá de: 1) denunciar os defeitos no prazo de garantia da obra, ou seja 5 anos após a entrega da mesma; b) propor a acção, caso o empreiteiro ou vendedor do imóvel não aceitem proceder à reparação dos defeitos, no prazo de 1 ano a partir do momento em que efectuou a denúncia.

Por outro lado, exige o n.º 2 do artigo 1225.º do Código Civil que a denúncia dos defeitos seja feita no prazo de um ano a contar do seu conhecimento, devendo a ação ser intentada no ano seguinte à apresentação da denúncia.

Assim, para eficazmente se acionar a garantia do imóvel, importa que, no prazo de garantia de 5 anos, se conheça o vício de construção, e se efetue a denúncia no prazo de um ano. Não sendo reparados voluntariamente os defeitos de construção, a ação para a sua eliminação deve ser intentada no prazo de um ano após a denúncia dos defeitos. Se a denúncia for apresentada no mês anterior a completar-se o prazo de 5 anos, ainda assim entendemos que no prazo de um ano após a denúncia – e mesmo que já fora do prazo de garantia do imóvel – o construtor ou empreiteiro, está obrigado à reparação, uma vez que a denúncia foi efetuada dentro do prazo de garantia.

Não podemos deixar de realçar que existem determinados comportamentos que, per si, são equivalentes à denúncia e, por essa razão, impedem a caducidade, como o caso em que o empreiteiro reconhece a existência dos defeitos ou o dolo do empreiteiro. Vejamos cada um em mais detalhe:

a) Reconhecimento pelo empreiteiro da existência dos defeitos. Para que se verifique este reconhecimento basta um mero “acto demonstrativo da percepção pelo empreiteiro dos defeitos da obra”, não sendo necessário que o construtor manifeste a intenção de assumir qualquer responsabilidade (V. MARIANO, João Cura, Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2011). São os casos em que o empreiteiro reconhece por carta ou email o defeito em resposta à interpelação do proprietário ou do condomínio e ainda os casos em que desloca à Assembleia de Condóminos para discutir com o condomínio a resolução da situação.

b) Dolo do empreiteiro. Existem ainda outros casos em que, além do prazo de 5 anos é possível responsabilizar o empreiteiro pelos defeitos, nomeadamente quando este atue com dolo (aplicando determinada técnica ou produto que de acordo com a arte do ofício é incorreta ou inadequada para a reparação ou construção que efetuou), ou quando exista da sua parte um reconhecimento, expresso ou que inequivocamente demonstre a intenção de reparar os defeitos, e que obsta a que o prazo de caducidade opere.

Neste sentido, assume particular relevância o acórdão de 23-02-2012 do Tribunal da Relação de Lisboa que ensina que:

“Podem ocorrer dois tipos de reconhecimento pelo empreiteiro da existência de defeitos na obra: um, que é o mais vulgar, e que se analisa num mero acto demonstrativo da percepção dos defeitos da obra; e outro, muito menos vulgar, que é o da assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos.

II – É ao primeiro que o legislador se refere no art 1220º/2 fazendo-o equivaler à denúncia do defeito. Este reconhecimento apenas liberta o dono da obra de efectuar a denúncia dos defeitos mantendo-se a obrigatoriedade do exercício dos respectivos direitos dentro dos prazos referidos nos arts 1224º e 1225º CC.

III – Ao segundo, há que atribuir efeitos muito mais extensos, pois que, quando feito de forma inequívoca pelo empreiteiro, não apenas liberta o dono da obra de proceder à denúncia dos defeitos, como o liberta do respeito pelo prazo de propositura da acção para fazer valer os seus direitos. Este reconhecimento não determina a contagem de novo prazo de caducidade, passando o exercício desse direito a estar sujeito apenas ao prazo de prescrição ordinário.

Nestes casos, importa atender que o prazo durante o qual o empreiteiro é responsável passará a ser de 20 anos, que o prazo geral da prescrição.