Gozo de Férias pelo Gerente

Nos termos do artigo 252.º do Código das Sociedades Comerciais, as sociedades por quotas são administradas e representadas por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos de entre os sócios ou pessoas estranhas à sociedade.  

A sua qualidade advém, assim, do contrato de administração que celebram com a sociedade, e que pode caracterizar-se como um contrato de mandato ou um contrato de trabalho.  

Tendo em conta que se trata de um órgão diretivo e representativo da sociedade, que faz parte da sua estrutura social e participa na formação da sua vontade, agindo geralmente com inteira autonomia, será normal que o vínculo contratual entre o gerente e a sociedade revista a natureza jurídica do mandato.  

Todavia, é aceite na nossa doutrina e jurisprudência que, existindo subordinação jurídica entre o gerente e a sociedade, esse vínculo pode assumir a natureza de contrato de trabalho. 

Nesse contexto, e embora não seja questão pacífica, temos já alguma jurisprudência e também doutrina, que se têm pronunciado a favor da possibilidade, nas sociedades por quotas, de cumulação entre a qualidade de gerente e a de trabalhador subordinado. 

Entre outros, Abílio Neto [in Código das Sociedades Comerciais – Jurisprudência e Doutrina, 2ª edição, 2003, pág. 614] refere que “embora a atribuição de um subsídio de férias ou o pagamento do subsídio de Natal ou do subsídio de refeição sejam prestações típicas do contrato de trabalho subordinado, nada obsta a que, por deliberação dos sócios, a remuneração paga aos gerentes compreenda prestações daquele tipo, não obstante as funções por eles desempenhadas não sejam, em princípio, subsumíveis a uma relação laboral”. 

Por outras palavras, para os sócios gerentes e caso haja uma deliberação dos sócios nesse sentido a remuneração paga aos gerentes poderá importar o subsídio de férias, o subsídio de natal e o subsídio de refeição, ainda não que tal não seja obrigatório, uma vez que, não estamos perante uma relação laboral. 

Não sendo por isso uma relação laboral, não existe obrigatoriedade quanto aos dias de férias a gozar, a não ser que seja deliberado pelos sócios que estamos o sócio gerente em causa está subordinado a uma relação laboral e como tal não poderá renunciar ao gozo das férias. 

Já no que concerne a situação do trabalhador de baixa a nossa opinião é diferente.

Dispõe o artigo 244.º, n.º 1 do Código do Trabalho que “O gozo das férias não se inicia ou suspende-se quando o trabalhador esteja temporariamente impedido por doença ou outro facto que não lhe seja imputável, desde que haja comunicação do mesmo ao empregador.” 

O n.º 2 refere que “Em caso referido no número anterior, o gozo das férias tem lugar logo após o termo do impedimento na medida do remanescente do período marcado, devendo o período correspondente aos dias não gozados ser marcado por acordo, ou na falta deste, pelo empregador, sem sujeição ao disposto no artigo 241.º.” 

Quer isto dizer que tem de ser concedido o direito a férias ao trabalhador, logo que cesse a situação de doença, se a situação de doença cessar no ano civil em que se iniciou, tendo este direito a gozar o remanescente não gozado, caso ainda esteja de férias, ou a agendar novas datas para o efeito, caso o período previsto tenha sido ultrapassado. 

Contudo, dispõe o n.º 3 do artigo 244.º que “em caso de impossibilidade total ou parcial do gozo de férias por motivo de impedimento do trabalhador, este tem direito à retribuição correspondente ao período de férias não gozado ou ao gozo do mesmo até 30 de Abril do ano seguinte, e em qualquer caso, ao respectivo subsídio.” 

Assim, quanto às férias vencidas em ano anterior e não gozadas em virtude da baixa médica, o trabalhador poderia gozá-las até 30 de Abril do ano seguinte, ou caso não as gozasse, por se ter mantido o impedimento, teria direito a auferir a retribuição correspondente ao período não gozado, caso assim o pretendesse. 

Porém, dispõe o artigo 295.º do Código do Trabalho que “durante a redução ou a suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho.” Ora, o artigo 237.º, n.º 2 estabelece que as férias respeitam aos dias de trabalho prestados no ano anterior, pelo que, caso o trabalhador não preste atividade durante mais de um ano, por se encontrar impedido em virtude de baixa médica, o direito a férias não se pode vencer automaticamente, já que este é um direito que pressupõe a efetiva prestação do trabalho. 

Assim, o caso de um trabalhador cuja doença se prolongue para o período de férias, a nosso ver, mantém-se de baixa, pelo que não se vence novo direito a férias, atenta a suspensão do contrato.

Arbitragem de Conflitos de Consumo. Deveres de Informação.

No pretérito dia 23 de março de 2016 passou a ser exigível para as empresas fornecedoras de bens ou prestadoras de serviços a consumidores o cumprimento do dever de informação relativo aos mecanismos de resolução alternativa (extrajudicial) de litígios de consumo.

Assim, as empresas passaram a estar obrigadas a informar os consumidores sobre as entidades RAL (Resolução Alternativa de Litígios de Consumo), de forma clara, adequada ao tipo de bem e serviço que é vendidoou prestado e visível, por exemplo:
• através de um dístico colocado no balcão de venda ou afixado na parede;
• na página na Internet, caso esta exista;
• nos contratos de compra e venda ou de prestação de serviços entre as duas partes, quando estas assumam a forma escrita ou constituam contratos de adesão;
• em alternativa, na fatura entregue ao consumidor.

O diploma em causa – a Lei nº 144/2015, de 8 de Setembro- destina-se a promover a arbitragem nos conflitos de consumo, “quando os mesmos sejam iniciados por um consumidor contra um fornecedor de bens ou prestador de serviços e respeitem a obrigações contratuais resultantes de contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, celebrados entre fornecedor de bens ou prestador de serviços estabelecidos e consumidores residentes em Portugal e na União Europeia” (v. artigo 2º da Lei nº 144/2015, de 8 de Setembro). Não obstante a redação bastante ampla que, a nosso ver, pode ser geradora de confusão, a relação jurídica típica abrangida por esta legislação é aquela que opõe o fornecedor ou prestador de serviços ao consumidor final, e não a relação que se estabelecer entre os diversos intermediários na cadeia de valor de um determinado produto. Na verdade, nos termos do artigo 2º da Lei do Consumidor na versão mais recente aprovada pela Lei n.º 47/2014, de 28/07 “considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”. Da conjugação dos dois diplomas resulta que só estão abrangidas aquelas relações com o destinatário final dos produtos ou serviços prestados pela empresa e não aquelas que se estabelecem com empresas que mediam o negócio (veja-se por exemplo com agências de publicidade ou o determinado promotor de um evento/produto ou serviço) e apenas com os destinatários que não façam uso profissional do serviço prestado (o que deixa de fora todas as empresas, profissionais liberais e empresários em nome individual) ou que já se encontrem vinculados a um outro regime de arbitragem (como é o caso dos serviços públicos essenciais, como a eletricidade, gás, água e resíduos, comunicações eletrónicas e serviços postais).

Discutiu-se ainda no âmbito deste diploma se destas obrigações se encontrariam excluídos os prestadores de serviços que desenvolvem a sua atividade exclusivamente através da internet, mesmo os que não tenham aderido a qualquer entidade de conciliação, mediação ou arbitragem ou não estejam nem devam estar vinculados (como é o caso dos serviços públicos essenciais, como a eletricidade, gás, água e resíduos, comunicações eletrónicas e serviços postais) à arbitragem necessária para resolução alternativa de conflitos de consumo. Salvo melhor entendimento, a letra e a ratio do diploma apontam claramente no sentido da generalização uma vez que em nenhum momento descriminam este ou aquele fornecedor de bens ou serviços (tendo inclusive já a Direção-Geral do Consumidor (DCC) vindo a terreiro sustentar esta tese).

Por outro lado, mesmo no caso dos consumidores finais a sujeição a arbitragem continua a ser voluntária, o que passa a ser obrigatório são deveres de informação quanto à existência de entidades de resolução alternativa de conflitos, divulgação essa que deve ser feita no site da internet da empresa e no contrato/fatura do serviço prestado.

Volvido que estão pouco mais de dois meses sobre aplicação desta lei a sua aplicação é ainda uma incógnita, uma vez que para além dos grandes operadores económicos poucas são ainda as empresas a darem cumprimento
ao normativo.

Uma nota final. Percebo, compreendo e apoio a vontade do legislador de subtrair à esfera dos Tribunais pequenos litígios de consumo, até porque o processo de arbitragem por iniciativa do consumidor nesta fase é gratuito. Já nos merece reparo o ónus da divulgação a correr por conta dos prestadores do serviço sob a ameaça de coimas que podem ir até 25.000€ no caso de empresas, uma vez que as políticas públicas – ainda que meritórias, como esta pelo menos nas suas intenções – não devem ser suportadas exclusivamente pelos agentes económicos seus destinatários, sob pena de constituírem verdadeiros impostos encapotados.

Publicado no suplemento “Inovação & Estratégia” do Jornal Público de 30/06/2016