No pretérito dia 23 de março de 2016 passou a ser exigível para as empresas fornecedoras de bens ou prestadoras de serviços a consumidores o cumprimento do dever de informação relativo aos mecanismos de resolução alternativa (extrajudicial) de litígios de consumo.
Assim, as empresas passaram a estar obrigadas a informar os consumidores sobre as entidades RAL (Resolução Alternativa de Litígios de Consumo), de forma clara, adequada ao tipo de bem e serviço que é vendidoou prestado e visível, por exemplo:
• através de um dístico colocado no balcão de venda ou afixado na parede;
• na página na Internet, caso esta exista;
• nos contratos de compra e venda ou de prestação de serviços entre as duas partes, quando estas assumam a forma escrita ou constituam contratos de adesão;
• em alternativa, na fatura entregue ao consumidor.
O diploma em causa – a Lei nº 144/2015, de 8 de Setembro- destina-se a promover a arbitragem nos conflitos de consumo, “quando os mesmos sejam iniciados por um consumidor contra um fornecedor de bens ou prestador de serviços e respeitem a obrigações contratuais resultantes de contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, celebrados entre fornecedor de bens ou prestador de serviços estabelecidos e consumidores residentes em Portugal e na União Europeia” (v. artigo 2º da Lei nº 144/2015, de 8 de Setembro). Não obstante a redação bastante ampla que, a nosso ver, pode ser geradora de confusão, a relação jurídica típica abrangida por esta legislação é aquela que opõe o fornecedor ou prestador de serviços ao consumidor final, e não a relação que se estabelecer entre os diversos intermediários na cadeia de valor de um determinado produto. Na verdade, nos termos do artigo 2º da Lei do Consumidor na versão mais recente aprovada pela Lei n.º 47/2014, de 28/07 “considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”. Da conjugação dos dois diplomas resulta que só estão abrangidas aquelas relações com o destinatário final dos produtos ou serviços prestados pela empresa e não aquelas que se estabelecem com empresas que mediam o negócio (veja-se por exemplo com agências de publicidade ou o determinado promotor de um evento/produto ou serviço) e apenas com os destinatários que não façam uso profissional do serviço prestado (o que deixa de fora todas as empresas, profissionais liberais e empresários em nome individual) ou que já se encontrem vinculados a um outro regime de arbitragem (como é o caso dos serviços públicos essenciais, como a eletricidade, gás, água e resíduos, comunicações eletrónicas e serviços postais).
Discutiu-se ainda no âmbito deste diploma se destas obrigações se encontrariam excluídos os prestadores de serviços que desenvolvem a sua atividade exclusivamente através da internet, mesmo os que não tenham aderido a qualquer entidade de conciliação, mediação ou arbitragem ou não estejam nem devam estar vinculados (como é o caso dos serviços públicos essenciais, como a eletricidade, gás, água e resíduos, comunicações eletrónicas e serviços postais) à arbitragem necessária para resolução alternativa de conflitos de consumo. Salvo melhor entendimento, a letra e a ratio do diploma apontam claramente no sentido da generalização uma vez que em nenhum momento descriminam este ou aquele fornecedor de bens ou serviços (tendo inclusive já a Direção-Geral do Consumidor (DCC) vindo a terreiro sustentar esta tese).
Por outro lado, mesmo no caso dos consumidores finais a sujeição a arbitragem continua a ser voluntária, o que passa a ser obrigatório são deveres de informação quanto à existência de entidades de resolução alternativa de conflitos, divulgação essa que deve ser feita no site da internet da empresa e no contrato/fatura do serviço prestado.
Volvido que estão pouco mais de dois meses sobre aplicação desta lei a sua aplicação é ainda uma incógnita, uma vez que para além dos grandes operadores económicos poucas são ainda as empresas a darem cumprimento
ao normativo.
Uma nota final. Percebo, compreendo e apoio a vontade do legislador de subtrair à esfera dos Tribunais pequenos litígios de consumo, até porque o processo de arbitragem por iniciativa do consumidor nesta fase é gratuito. Já nos merece reparo o ónus da divulgação a correr por conta dos prestadores do serviço sob a ameaça de coimas que podem ir até 25.000€ no caso de empresas, uma vez que as políticas públicas – ainda que meritórias, como esta pelo menos nas suas intenções – não devem ser suportadas exclusivamente pelos agentes económicos seus destinatários, sob pena de constituírem verdadeiros impostos encapotados.
Publicado no suplemento “Inovação & Estratégia” do Jornal Público de 30/06/2016