Breves notas sobre o Layoff simplificado

O Governo criou um regime de lay-off simplificado mediante declaração da Administração e de Contabilista Certificado, caso haja suspensão da atividade relacionada com o surto de COVID-19 e caso haja interrupção das cadeias de abastecimento globais ou quebra abrupta e acentuada de 40% da faturação, nos 60 dias anteriores ao pedido junto da segurança social  ou com referência ao período homólogo.

Considera-se situação de crise empresarial de acordo com o Decreto-lei 10-G/2020:

Situação de crise empresarial

1 – Para efeitos do presente decreto-lei, considera-se situação de crise empresarial:

a) O encerramento total ou parcial da empresa ou estabelecimento, decorrente do dever de encerramento de instalações e estabelecimentos, previsto no Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, ou por determinação legislativa ou administrativa, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, ou ao abrigo da Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, assim como da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, relativamente ao estabelecimento ou empresa efetivamente encerrados e abrangendo os trabalhadores a estes diretamente afetos; ou

b) Mediante declaração do empregador conjuntamente com certidão do contabilista certificado da empresa que o ateste:

i) A paragem total ou parcial da atividade da empresa ou estabelecimento que resulte da interrupção das cadeias de abastecimento globais, ou da suspensão ou cancelamento de encomendas, que possam ser documentalmente comprovadas nos termos da alínea c) do n.º 3;

ii) A quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40 % da faturação no período de trinta dias anterior ao do pedido junto dos serviços competentes da segurança social, com referência à média mensal dos dois meses anteriores a esse período, ou face ao período homólogo do ano anterior ou, ainda, para quem tenha iniciado a atividade há menos de 12 meses, à média desse período.

As circunstâncias acima referidas são atestadas mediante declaração do empregador conjuntamente com certidão do contabilista certificado da empresa.

As entidades beneficiárias do presente apoio podem ser fiscalizadas, em qualquer momento, pelas entidades públicas competentes, devendo comprovar os factos em que se baseia o pedido e as respetivas renovações, por prova documental, podendo ser requerida a apresentação de documentos, nos casos aplicáveis, nomeadamente:

a) Balancete contabilístico referente ao mês do apoio bem como do respetivo mês homólogo;

b) Declaração de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) referente ao mês do apoio bem como dos dois meses imediatamente anteriores, ou a declaração referente ao último trimestre de 2019 e o primeiro de 2020, conforme a requerente se encontre no regime de IVA mensal ou trimestral respetivamente, que evidenciem a intermitência ou interrupção das cadeias de abastecimento ou a suspensão ou cancelamento de encomendas; e

c) Elementos comprovativos adicionais a fixar por despacho do membro do Governo da área do trabalho e da segurança social.

Esclarecemos que os elementos adicionais que poderão ainda ser exigidos elementos adicionais, serão ainda objeto de regulamentação.  O empregador deve, comprovadamente, ter as situações contributiva e tributária regularizadas perante a Segurança Social e a Autoridade Tributária e Aduaneira.

O regimento de lay-off simplificado é um apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho em empresa em situação de crise empresarial e reveste a forma de um apoio financeiro, por trabalhador, atribuído à empresa, destinado, exclusivamente, ao pagamento de remunerações.

Este regime prevê retribuição ilíquida ao trabalhador de 2/3 até um máximo de 3 RMMG (€ 1.905,00), com duração de um mês prorrogável mensalmente, após avaliação, até um máximo de 6 meses, sendo 70% assegurado pelo ISS e 30% assegurado pelo empregador.

O empregador comunica, por escrito, aos trabalhadores a decisão de requerer o apoio extraordinário à manutenção dos postos de trabalho, indicando a duração previsível, ouvidos os delegados sindicais e comissões de trabalhadores quando existam, remetendo de imediato requerimento ao Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I. P.), acompanhado de declaração do empregador conjuntamente com certidão do contabilista certificado da empresa e bem assim a listagem nominativa dos trabalhadores abrangidos e respetivo número de segurança social.

Durante o período de aplicação desta medida, a empresa tem direito a um apoio financeiro nos mesmos termos do previsto no n.º 4 do artigo 305.º do Código do Trabalho (ou seja, compensação retributiva paga em 30% do seu montante pelo empregador e em 70% pelo serviço público competente da área da segurança social), com duração de um mês.

O apoio pode ser, excecionalmente, prorrogável mensalmente, até ao máximo de 3 meses.

Existe preferência do Condomínio na aquisição de uma loja do prédio?

Os direitos/obrigações legais de preferência jogam, em geral, entre titulares de direitos reais: art. 1380.° (terrenos confinantes), art. 1535.° (direito de superfície), art.º 1555.° (servidões legais), art. 1499.° c) e 1501.° d) (antes de ser abolida a enfiteuse pelo Dec.-Lei n.° 195-A/76, de 16.3, e Dec-Lei n.° 233/76, de 2.4).  E até às vezes tais direitos/obrigações inserem-se no âmbito da mesma relação jurídica: art.º 1409.º e 1410.º (compropriedade). 

Os arrendatários de prédios urbanos ou de fracções autónomas dos mesmos têm direito de preferência na sua venda ou dação em cumprimento (art. 47.° a 49.° do RAU).  

Determinadas pessoas que viviam com o arrendatário de habitação, quando o arrendamento caduque pela respectiva morte, têm direito de preferência, desde que se verifiquem determinadas condições, na compra do local arrendado (art. 97.° do RAU). 

Os co-herdeiros gozam de direito de preferência na venda ou dação em cumprimento dos quinhões hereditários (art. 2130.°).  

O senhorio tem direito de preferência no “trespasse por venda ou dação em cumprimento” do estabelecimento comercial existente no prédio arrendado (art. 116.° do RAU).  

Na venda ou na adjudicação judicial de quotas têm preferência em primeiro lugar os sócios e, depois, a sociedade ou uma pessoa por esta designada (art. 239.º, 5 do Cód. Soc. Com.). 

No âmbito da propriedade horizontal, os proprietários de cada fração autónoma são apenas comproprietários das partes comuns do edifício. 

Porém, dispõe o artigo 1423.º do Código Civil que “Os condóminos não gozam do direito de preferência na alienação de frações nem do direito de pedir a divisão das partes comuns.” 

O condomínio enquanto entidade equiparada a pessoa coletiva não possui qualquer direito de preferência sobre a alienação de uma fração autónoma, nem tão pouco os restantes proprietários do prédio, de acordo com o artigo 1423.º do Código Civil. 

A propriedade horizontal vem prevista e regulada nos art.º 1414.º ss. do C.Civil, que estabelece como princípio geral: “As fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal.” 

O art.º 1420.º n.º 1 diz-nos que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, enunciando o art.º 1421.º no seu n.º 1 quais sãos as partes comuns do edifício constituído em regime de propriedade horizontal e acrescentado o n.º 2 aquelas que se presumem comuns. 

A respeito dos direitos subjacentes à propriedade horizontal, diz-nos de forma impressiva Gonçalo de Oliveira Guimarães, in. A personalidade judiciária do Condomínio e a sua representação em juízo, Revista Julgar n.º 23, pág. 60: “O núcleo do instituto da propriedade horizontal é constituído por direitos privativos de domínio, a que estão associados, com função instrumental, mas de modo incindível e perene, direitos de compropriedade sobre as partes do prédio não abrangidas por uma relação exclusiva. Foi para distinguir as situações de propriedade horizontal das de simples contitularidade ou comunhão sobre coisa indivisa que o legislador recorreu ao conceito de condomínio, acolhendo as teorias de PLANIOL, RIPERT E BAUDRY-LACANTINERIE.  

O condomínio é, assim, no dizer de HENRIQUE MESQUITA, a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial sobre frações determinadas. No fundo, o direito de propriedade sobre a parte exclusiva é combinado com o direito de compropriedade sobre as partes comuns. Daí nasce um direito real complexo, no sentido de que combina figuras preexistentes de direitos reais. É, no entanto, diferente do mero somatório dos esquemas da propriedade e da compropriedade; contendo o uma regulamentação própria do seu exercício, constitui a se um direito real. 

Na propriedade horizontal cada um dos condóminos vê integrar-se na sua esfera jurídica um direito real específico e próprio que conjuga dois direitos reais coexistentes: um direito de propriedade exclusivo sobre a fração de que cada um é titular e um direito de compropriedade sobre as partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal. 

A posição maioritária da jurisprudência portuguesa – que não subscrevemos integralmente – tem sido de que o Condomínio não possui personalidade jurídica, razão pela qual, não poderá ser titular de direitos, nomeadamente, o direito de propriedade. 

Sendo que, alguns autores defendem que o condomínio pode peticionar o direito de propriedade em representação dos titulares das frações autónomas, isto é, sempre será admissível que o condomínio adquira nova propriedade para ser incorporada à propriedade já existente, tanto através da aquisição originária pela construção de áreas novas, como pela aquisição negocial de novos bens (não será por acaso que o Código Civil fala em “obras de inovação”, que preveja a aprovação de um orçamento do condomínio, ou que o Estado atribua um número de contribuinte ao Condomínio constituindo-o como sujeito passivo na liquidação de impostos, designadamente de IVA).  

Pois, o facto de não ter personalidade jurídica não afasta o condomínio de ser titular de direitos e obrigações, de natureza patrimonial. 

Em face da inexistência de unanimidade quanto a esta questão e até algumas contradições da legislação, veja-se, a possibilidade de deliberação por parte do condomínio na venda da casa da porteira, transformando uma parte comum numa fração autónoma; inclinamo-nos para que seja vedado quer ao condomínio, quer aos condomínios individualmente o direito de preferência na alienação de uma outra fracção, por exemplo uma loja.

Diferenças entre arrendamento e comodato

A principal diferença entre o contrato de comodato e o contrato de subarrendamento (ao qual se aplicam as disposições relativas ao contrato de arrendamento) é essencial a onerosidade, visto que, contrariamente ao arrendamento, o contrato de comodato é gratuito. 

Esta característica leva a que o regime seja manifestamente diferente entre ambos os contratos.

Em primeiro lugar, no contrato de comodato, visto não existir qualquer contrapartida financeira pela cedência do imóvel, não há lugar ao pagamento de qualquer imposto, contrariamente ao que acontece no contrato de arrendamento. 

Além disso, o comodato traz também a vantagem para o proprietário de poder reaver o imóvel a todo o tempo sem ter de aguardar pelo fim do contrato, isto é, como se trata de um contrato gratuito, o mesmo confere mais direitos ao comodante visto que este não está a obter nenhuma contrapartida financeira pela cedência do local, pelo que os seus direitos terão de ser mais amplos. 

Por outro lado, o contrato de arrendamento implica uma contrapartida económica para o senhorio, pelo que, ainda que haja lugar ao pagamento de impostos, haverá sempre um lucro, o que não acontece no comodato. 

Mandato de Detenção Europeu. Princípio da Especialidade

A lei n.º 65/2003  de 23 de Agosto veio aprovar o regime jurídico do MDE, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004, aplicando-se aos pedidos recebidos depois desta data com origem em Estados-membros que tenham optado pela aplicação imediata daquela (seu art.40º). 

Na definição legal dada pelo artigo 1º da Lei n.º 65/2003, de 23/08 o mandato de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado-Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado-Membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa de liberdade, sendo executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na mesma Lei e referida Decisão-Quadro. 

Esta última não define o princípio do reconhecimento mútuo, tal como aquela Lei não o faz, mas, em geral, não sofre dúvida que ele assenta na confiança mútua que pressupõe compreensão, impondo às autoridades de um Estado que aceitem reconhecer os mesmos efeitos às decisões estrangeiras que às decisões nacionais, apesar das diferenças que oponham as ordens jurídicas em causa. (Cfr. Do Mandado de Detenção Europeu, de Manuel Guedes Valente, Almedina, 2006, a pág.83) 

Nas palavras de Daniel Flores, em “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 13, nº.1, a pág.33 que “desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde ela procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e direto sobre o conjunto do território da União, significando que as autoridades competentes do Estado-membro do território no qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente desse Estado.” 

Tal princípio de confiança subjacente ao reconhecimento mútuo, ligado ainda a escopos de simplicidade e de celeridade, só através da ausência de exigência absoluta da dupla incriminação (no Estado-membro de emissão e no Estado-membro de execução) poderia ser concretizado, motivo por que se elencou, no art.2º, nº.2, da Lei nº.65/2003, identicamente ao que consta da Decisão-Quadro, um catálogo de infrações relativamente às quais se aboliu o controlo da dupla incriminação desde que puníveis com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 3 anos. 

No respeitante a infrações aí não previstas, o legislador português parece ter, contudo, optado por sujeitá-las ao princípio da dupla incriminação – v.nº.3 do art.2º da Lei nº.65/2003. 

Na esteira da Decisão-Quadro enveredou-se por uma solução de compromisso entre a abolição geral da dupla incriminação e a reserva da soberania dos Estados, mediante a previsão de causas facultativas de recusa de execução do MDE, bem como de determinadas garantias que, em casos especiais, devem ser fornecidas pelo Estado-membro de emissão, como decorre do disposto nos arts.12º e 13º da Lei nº.65/2003. 

Optou-se, pois, por uma abolição relativa da dupla incriminação, que não afetasse essa reserva de soberania e que correspondesse aos desideratos de preocupação comum da União.  

Isto significa que a pessoa entregue em cumprimento de um MDE não pode ser sujeita a procedimento penal, condenada ou privada de liberdade por uma infração praticada em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do mandado de detenção europeu, nos termos do art.7º da Lei nº.65/2003, o que se consubstancia no denominado princípio da especialidade, embora essa pessoa possa renunciar a essa regra e nos moldes que são definidos no nº.3 do mesmo preceito legal. 

Prazo de garantia nos imóveis destinados a longa duração

É corrente questionarem-nos sobre o prazo de garantia nos imóveis destinados a longa duração, e sobre a responsabilidade concreta do empreiteiro, em caso de defeitos. Cumpre-nos a este respeito salientar que cada caso terá as suas especificidades, mas que haverá uma linha transversal ao regime da garantia nos bens imóveis, que poderemos explorar.

Desde logo, esta matéria vem regulada no artigo 1225.º do Código Civil, o qual nos refere o seguinte:

Artigo 1225.º

Imóveis destinados a longa duração

1 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.

       2 – A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.

       3 – Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221.º

       4 – O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.

Quer isto dizer que existe um prazo legal de garantia, de 5 anos – que pode ser superior caso as partes assim o convencionem – em que o empreiteiro responde pelos danos causados ao dono da obra que sejam decorrentes de vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ou apresentar defeitos.

Este prazo de 5 anos começa a contar na data da entrega do imóvel, e sua aceitação, sem defeitos aparentes, que normalmente corresponde no caso da aquisição de imóvel, à data do registo pelo adquirente, e no caso das partes comuns de prédios em propriedade horizontal, a contar da data da realização da primeira assembleia de condóminos, data a partir da qual se constitui a entidade que pode exercer o direito de denúncia desses defeitos, ou seja, o Condomínio.

Seguimos por isso a posição de que o prazo se inicia, quanto às partes comuns, com a realização da primeira assembleia constitutiva do condomínio, aliás, na esteira do que o defende o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/11/2011, que nos refere que:

“I – A contagem do prazo de 5 anos para denúncia dos defeitos de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração, previsto no art. 1225.º, n.º 1, do CC, inicia-se no momento da entrega do prédio por parte do construtor/vendedor.

II – Tal entrega considera-se feita no momento em que o vendedor entrega o prédio à assembleia de condóminos, ou seja, no momento a partir do qual o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos e identificados com os interesses comuns.

III – Este momento – da cisão do vendedor do prédio vendido – pode coincidir, ou não, com a constituição da assembleia de condóminos, sendo que, se quando esta for constituída o prédio estiver entregue, será a partir deste momento que se passará a contar o prazo de 5 anos, se o prédio não estiver concluído e não estando em condições de ser entregue à assembleia de condóminos para que esta possa exercer todos os direitos de fiscalização sobre as partes comuns, o dies a quo a partir do qual deve ser contado o inicio do prazo dos 5 anos deverá ser a partir da entrega do prédio para uma entidade/administração distanciada do vendedor e com plena autonomia para denunciar os eventuais defeitos existentes na obra.

IV – O legislador, no caso de imóveis destinados a longa duração, pôs à disposição do dono da obra e do terceiro adquirente: um prazo de 5 anos, durante o qual, se forem descobertos defeitos, os pode denunciar (prazo de garantia supletivo), e outro prazo de 1 ano, a partir do seu conhecimento, para os denunciar, o que valerá por dizer que o dono da obra tem um prazo – de 5 anos – em que se ocorrer a descoberta de um defeito o pode denunciar, mas que exaurido esse prazo, e não tendo operado qualquer denúncia, queda peado o direito à denúncia de defeitos.

V – O dono da obra ou o terceiro adquirente, para fazer valer com êxito uma pretensão para reparação de defeitos detectados numa obra de longa duração, terá de: 1) denunciar os defeitos no prazo de garantia da obra, ou seja 5 anos após a entrega da mesma; b) propor a acção, caso o empreiteiro ou vendedor do imóvel não aceitem proceder à reparação dos defeitos, no prazo de 1 ano a partir do momento em que efectuou a denúncia.

Por outro lado, exige o n.º 2 do artigo 1225.º do Código Civil que a denúncia dos defeitos seja feita no prazo de um ano a contar do seu conhecimento, devendo a ação ser intentada no ano seguinte à apresentação da denúncia.

Assim, para eficazmente se acionar a garantia do imóvel, importa que, no prazo de garantia de 5 anos, se conheça o vício de construção, e se efetue a denúncia no prazo de um ano. Não sendo reparados voluntariamente os defeitos de construção, a ação para a sua eliminação deve ser intentada no prazo de um ano após a denúncia dos defeitos. Se a denúncia for apresentada no mês anterior a completar-se o prazo de 5 anos, ainda assim entendemos que no prazo de um ano após a denúncia – e mesmo que já fora do prazo de garantia do imóvel – o construtor ou empreiteiro, está obrigado à reparação, uma vez que a denúncia foi efetuada dentro do prazo de garantia.

Não podemos deixar de realçar que existem determinados comportamentos que, per si, são equivalentes à denúncia e, por essa razão, impedem a caducidade, como o caso em que o empreiteiro reconhece a existência dos defeitos ou o dolo do empreiteiro. Vejamos cada um em mais detalhe:

a) Reconhecimento pelo empreiteiro da existência dos defeitos. Para que se verifique este reconhecimento basta um mero “acto demonstrativo da percepção pelo empreiteiro dos defeitos da obra”, não sendo necessário que o construtor manifeste a intenção de assumir qualquer responsabilidade (V. MARIANO, João Cura, Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2011). São os casos em que o empreiteiro reconhece por carta ou email o defeito em resposta à interpelação do proprietário ou do condomínio e ainda os casos em que desloca à Assembleia de Condóminos para discutir com o condomínio a resolução da situação.

b) Dolo do empreiteiro. Existem ainda outros casos em que, além do prazo de 5 anos é possível responsabilizar o empreiteiro pelos defeitos, nomeadamente quando este atue com dolo (aplicando determinada técnica ou produto que de acordo com a arte do ofício é incorreta ou inadequada para a reparação ou construção que efetuou), ou quando exista da sua parte um reconhecimento, expresso ou que inequivocamente demonstre a intenção de reparar os defeitos, e que obsta a que o prazo de caducidade opere.

Neste sentido, assume particular relevância o acórdão de 23-02-2012 do Tribunal da Relação de Lisboa que ensina que:

“Podem ocorrer dois tipos de reconhecimento pelo empreiteiro da existência de defeitos na obra: um, que é o mais vulgar, e que se analisa num mero acto demonstrativo da percepção dos defeitos da obra; e outro, muito menos vulgar, que é o da assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos.

II – É ao primeiro que o legislador se refere no art 1220º/2 fazendo-o equivaler à denúncia do defeito. Este reconhecimento apenas liberta o dono da obra de efectuar a denúncia dos defeitos mantendo-se a obrigatoriedade do exercício dos respectivos direitos dentro dos prazos referidos nos arts 1224º e 1225º CC.

III – Ao segundo, há que atribuir efeitos muito mais extensos, pois que, quando feito de forma inequívoca pelo empreiteiro, não apenas liberta o dono da obra de proceder à denúncia dos defeitos, como o liberta do respeito pelo prazo de propositura da acção para fazer valer os seus direitos. Este reconhecimento não determina a contagem de novo prazo de caducidade, passando o exercício desse direito a estar sujeito apenas ao prazo de prescrição ordinário.

Nestes casos, importa atender que o prazo durante o qual o empreiteiro é responsável passará a ser de 20 anos, que o prazo geral da prescrição.

6 questões sobre Insolvência

A versão mais recente do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas aprovada pela Retificação n.º 21/2017, de 25/08 entrou em vigor no dia 1 de Julho de 2017 pelo que importa dar um novo olhar sobre a legislação em vigor. Assim, as sociedades que recorram a este mecanismo devem apresentar agora declaração escrita de manifestação de vontade em encetar negociações assinada por pelo menos 10% dos créditos não subordinados inclusos na Lista de Credores junta aos autos (ainda que a percentagem dos créditos possa ser reduzida para 5% dos créditos relacionados mediante requerimento devidamente fundamentado).

Trata-se de um infleção relativa à versão anterior que aqui por nós comentada em 2016 que criara um regime mais favorável à aprovação de planos de recuperação de empresas, mantendo no essencial quer quanto à insolvência de pessoas singulares, quer à insolvência de pessoas coletivas a base teórica que muitas questões nos foi colocando ao longo destes anos de vigência.

Destaquei 6 das mais comuns que compilo no presente artigo.

Qual a diferença entre Falência e Insolvência de uma empresa?

O processo de insolvência ou falência consiste num processo de execução universal, de natureza executiva e que vem substituir os processos especiais de recuperação de empresa e de falência vigentes no CPEREF.

O processo de insolvência tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes através de um plano de insolvência que se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.

A insolvência traduz a situação daquele que está impossibilitado de cumprir as suas obrigações, normalmente, por ausência da necessária liquidez em momento determinado ou em certos casos porque o total das suas responsabilidades excede os bens de que pode dispor para as satisfazer.

A doutrina refere que a insolvência constitui uma ação executiva, uma vez que, tem por fim a obtenção de providências adequadas à reparação efetiva de direitos de créditos violados. Trata-se pois de uma ação executiva com características especiais já que é uma execução coletiva e não singular.

A insolvência é um processo que visa a satisfação do direito de crédito sobre o património remanescente do devedor, sendo consequentemente uma execução coletiva que tem por objetivo a satisfação dos direitos de todos os credores de um devedor.

Na insolvência pretende-se, desde logo, assegurar um tratamento igualitário de todos os credores, pois é previsível aquando da apresentação do devedor à insolvência que nem todos os credores verão os seus créditos satisfeitos.

Sendo um processo coletivo a principal finalidade é a proteção e satisfação dos interesses dos credores tendo como fim a apreensão de todo o património do insolvente, procedendo à sua liquidação e repartição do produto obtido pelos credores que são convocados para virem ao processo reclamar os seus créditos.

Quais os limites financeiros da responsabilidade de um gerente em caso de Falência da empresa? Estão limitados ao valor do capital social? Que consequência (a todos os níveis: pessoal, bancário, empresarial, etc.) traz para um gerente a falência da empresa?

Esta é uma das matérias em revisão. No regime actual, no que concerne a estas duas questões, elas são melhor esclarecidas em conjunto atendendo ao que o Código de Insolvência e Recuperação de Empresas estipula como sendo a responsabilidade do legal representante da sociedade insolvente.

Os administradores ou gerentes de uma sociedade comercial tem deveres, adstritos às usas funções, cujo incumprimento origina a sua responsabilização.

Sendo que, o CIRE veio introduzir alterações no regime de responsabilidade, agravando a responsabilidade dos administradores e gerente de uma sociedade que é declarada insolvente.

Em primeiro lugar, existe responsabilidade do administrador ou gerente pelo pedido infundado de insolvência, conforme o prevê o artigo 22.º do CIRE que dispõe que “a dedução de pedido infundado de declaração de insolvência, ou a indevida apresentação por parte do devedor, gera responsabilidade pelos prejuízos causados ao devedor ou a terceiros, mas apenas em caso de dolo.”

Acresce que, outro dever que impende ao administrador ou gerente é o dever de apresentação à insolvência, nos termos do artigo 18.º CIRE, o qual prevê um dever de apresentação à insolvência no prazo 60 dias a partir da data do conhecimento da situação de insolvência.

Sendo que, para existir responsabilidade do administrador ou gerente da sociedade pela falta de apresentação à insolvência é necessário que estejam preenchidos os seguintes pressupostos:

a)      A ilicitude do facto gerador de responsabilidade civil, ou seja, a violação por ação ou omissão, de qualquer dever que impenda sobre os administradores e gerentes;

b)      A culpa que é igualmente essencial, embora no caso da responsabilidade para com a sociedade se presuma a existência de culpa, pelo que é necessário ao administrador ou gerente provar que agiu sem a mesma;

c)       A existência de um dano;

d)      A existência de um nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano.

Contudo, importa referir que a culpa dos administradores e gerentes não se pode presumir, pelo que, os interessados terão de fazer prova da sua existência, para além da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil.

Importa referir que, no âmbito de um processo de insolvência a principal responsabilidade do administrador ou gerente advém do resultado do incidente de qualificação de insolvência, ou seja, se a mesma é considerada fortuita ou culposa.

Com a sentença de declaração de insolvência inicia-se o incidente de qualificação da insolvência do devedor que permite classificá-la como fortuita ou culposa e averiguar se houve responsáveis pela situação.

Para efeitos de responsabilidade e imputação de culpa, prevê o artigo 186.º, n.º 2 do CIRE a verificação das seguintes circunstâncias:

a)      Incumprimento da obrigação de manter a contabilidade organizada, produção de uma contabilidade fictícia ou de dupla contabilidade ou contribuição para a ocorrência de irregularidade que prejudique a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;

b)      Incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência nos 60 dias seguintes ao conhecimento do incumprimento das obrigações tipificadas na lei;

c)       Incumprimento da obrigação de elaborar, no prazo legal, contas anuais e de as submeter à fiscalização ou de as depositar na Conservatória do Registo Comercial.

Sendo que, o incidente de qualificação pode abranger terceiros que atuaram em conjunto com o devedor, sendo o nível de diligência exigido o mesmo, ou seja, terá que se provar que o mesmo agiu com dolo ou culpa grave para que possa ser responsabilizado.

No plano processual o incidente de qualificação culposa segue os seguintes trâmites legais:

  1. Qualquer interessado na qualificação pode alegar por escrito e até 15 dias depois da assembleia de apreciação do relatório o que tiver por conveniente;
  2. Dentro do prazo de 15 dias, o administrador de insolvência emite parecer fundamentado sobre os factos alegado no requerimento e caso considere a insolvência como culposa deve identificar as pessoas que devem ser afetadas pela qualificação;
  3. O parecer é depois remetido para o Ministério Publico para se pronunciar no prazo de 10 dias;
  4. Se o ministério público e o administrador emitirem pareceres no sentido de considerar a insolvência fortuita, é de imediato proferida decisão e encerrado processo;
  5. Se for proposta a insolvência culposa pelo Ministério Público ou pelo administrador de insolvência são citadas as pessoas que possam ser afetadas pela qualificação para se oporem no prazo de 15 dias;
  6. No caso de ser apresentada oposição, pode ainda qualquer interessado apresentar resposta no prazo de 10 dias.

Acresce que, a par do incidente de qualificação da insolvência existe um dever por parte do juiz do processo em dar notícia ao Ministério Público de factos que indiciam a prática de crimes, para efeito do exercício da ação penal.

A situação de insolvência não é suscetível de configurar a prática de crimes por parte de pessoas coletivas, mas poderão ser responsabilizados criminalmente as pessoas singulares titulares dos seus corpos sociais.

Nessa senda, dispõe o artigo 227.º do Código Penal que:

“ 1 – O devedor que com intenção de prejudicar os credores:

a) Destruir, danificar, inutilizar ou fizer desaparecer parte do seu património;

b) Diminuir ficticiamente o seu activo, dissimulando coisas, invocando dívidas supostas, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, ou simulando, por qualquer outra forma, uma situação patrimonial inferior à realidade, nomeadamente por meio de contabilidade inexacta, falso balanço, destruição ou ocultação de documentos contabilísticos ou não organizando a contabilidade apesar de devida;

c) Criar ou agravar artificialmente prejuízos ou reduzir lucros; ou

d) Para retardar falência, comprar mercadorias a crédito, com o fim de as vender ou utilizar em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente;

é punido, se ocorrer a situação de insolvência e esta vier a ser reconhecida judicialmente, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

2 – Se a falência vier a ser declarada em consequência da prática de qualquer dos factos descritos no número anterior, o devedor é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.”

Ora, a qualificação de insolvência como culposa tem como consequência para as pessoas afetadas pela sentença, a inabilitação, a fixar entre 2 a 10 anos, a sua inibição, pelo período de 2 a 10 anos para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de órgão de sociedade comercial ou civil, associação, fundação, empresa pública ou cooperativa.

Implica também a perda de quaisquer créditos sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afetadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos em pagamento desses créditos e ainda a obrigação de registo oficioso da inabilitação ou inibição na Conservatória do Registo Civil ou do Registo Comercial com base em certidão da sentença remetida pela secretaria.

Sendo que, os administradores e gerentes são ainda responsáveis penalmente pela situação de insolvência, se esta for provocada pela sua atuação dolosa ou por mera negligência, sendo ainda um fator de imputação de responsabilidade penal o favorecimento de certos credores ou se após a declaração de insolvência os gerentes praticarem algum ato que fruste os créditos contra a massa insolvente.

Ainda no que concerne à responsabilidade dos gerentes, importa verificar a sua responsabilização tributária.

Sendo que prevê o artigo 88.º, n.º 1 do CIRE que “a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelo credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva instaurada pelos credores da insolvência, porém se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.”

Isto significa que em processos de execução fiscal pendentes, não poderão ser efetuadas novas penhoras, mesmo que já, ordenadas, nem poderão ser concretizados quaisquer procedimentos cautelares ou efetuadas vendas, após o conhecimento da insolvência pelas entidades onde correm as execuções.

Sendo que, os administradores e gerentes serão subsidiariamente responsáveis pelas dívidas tributárias quando, por atuação dolosa da sua parte, os créditos tributários não tenham sido liquidados e o património da sociedade seja insuficiente para cumprir aquelas obrigações, sendo que estes créditos serão pagos através do património pessoal dos gerentes e administradores.

Por fim, importa referir que na proposta de lei já apresentada no parlamento e que se encontra em discussão pública o conceito de culpa deixa de estar associado à insolvência, permitindo-se que os admnistradores possam ser responsáveis na sua esfera pessoal pelas dívidas sem que se verifiquem os pressupostos que indiquei acima. Mas, no momento em que escrevo estas linhas ainda não existem certezas quanto à redacção final da lei nesta matéria, pelo que teremos de aguardar

Porque é mais vantajoso ser um credor a pedir a falência da empresa do que ser o gerente a apresentar a empresa à insolvência?

No que concerne a esta questão, importa esclarecer que o impulso processual cabe ao devedor, sendo que o legal representante da sociedade tem um dever de se apresentar à insolvência no prazo de 60 dias à data do conhecimento da situação de insolvência, conforme assim o estipula o artigo 18.º, n.º 1 do CIRE.

De igual forma a insolvência pode ser requerida por qualquer credor, seja qual for a natureza do seu crédito ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhes estão legalmente confiados.

No caso de a insolvência ser requerida por um credor, terá que provar necessariamente que se encontram um dos fatores índice previstos no artigo 20.º do CIRE e passamos a transcrever:

“1 – A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:

a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;

b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;

c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;

d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;

e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;

f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º;

g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:

i) Tributárias;

ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;

iii) Créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato;

iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência;

h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.

2 – O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de representação das entidades públicas nos termos do artigo 13.º”

Sendo que ao credor basta trazer ao processo as circunstâncias através das quais é possível deduzir o incumprimento por parte do devedor, em conjunto com a justificação, natureza e montante do seu crédito oferecendo para os efeitos meios de prova.

Ainda que, a insolvência seja requerida por um credor, não obsta ao dever do devedor proceder à junção de toda a documentação prevista no artigo 24.º do CIRE, tal como no caso de apresentação à insolvência, sendo que, também não obsta ao início do incidente de qualificação da insolvência como fortuita ou culposa.

Havendo na sociedade falida suprimentos dos sócios, estes são constituídos também como credores da massa falida? Como é feita a graduação destes créditos?

No que concerne aos suprimentos devidos aos sócios da sociedade insolvente, os mesmos são considerados como créditos subordinados e são pagos em último lugar, conforme estipula o artigo 47.º e 48.º do CIRE.

Sendo que estipula o artigo 48.º do CIRE que “consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos da insolvência: (…) g) os créditos por suprimentos.”

Sendo que os créditos subordinados podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente, não conferem o direito de voto na assembleia de credores e no caso de aprovação de um plano de insolvência, dá-se o perdão total dos créditos subordinados.

Assim sendo, o pagamento dos créditos subordinados realiza-se somente após o pagamento integral dos créditos garantidos, privilegiados e comuns.

Existindo dívidas elevadas ao senhorio, pode a empresa entregar a loja com todo o recheio (imobilizado) a título de dação em pagamento das rendas? Eliminando qualquer bem a entregar ao administrador de insolvência?

Apesar de ser possível a celebração de negócios previamente à declaração de insolvência, os mesmos poderão ser resolvidos a favor da massa insolvente, sendo ainda analisada a eventual responsabilidade dos legais representantes no sentido de verificar se houve má-fé na celebração de tais negócios.

Sendo que, dispõe o artigo 121.º, n.º 1 do CIRE que “podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores á data do início do processo de insolvência.

Assim consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

Sendo que, neste caso tal situação poderá ser considerado um acto prejudicial à massa, uma vez que, inviabiliza a apresentação de qualquer bem para a satisfação dos credores.

Havendo em curso processos movidos por funcionários ou litígios jurídicos com terceiros, pode a empresa encerrar a sua actividade e considerar-se extinta? Pode transferir essa responsabilidade para o representante da cessação?

O processo de insolvência, enquanto execução universal visa tutelar os interesses dos credores, e nesse âmbito corresponde também a um processo de dissolução e liquidação da sociedade insolvente.

Em contrapartida, os sócios podem proceder à dissolução da sociedade, sem que se tenha de apresentar à insolvência, através do processo de dissolução e liquidação de empresas, nas conservatórias do registo comercial.

A extinção da sociedade exige a decisão unânime de todos os sócios quanto à dissolução da sociedade e somente nos casos em que não exista activo ou passivo por liquidar.

A dissolução de uma sociedade pode ainda ser feita nos seguintes termos:

a)      Dissolução e liquidação (sem activo ou passivo): sendo necessária deliberação tomada por maioria qualificada de ¾ dos votos produzidos em assembleia de dissolução da sociedade; inexistência de passivo e activo e que o contrato de sociedade não preveja outras formas de procedimentos específicos de extinção.

b)      Dissolução e liquidação por partilha (com activo e sem passivo): os sócios procedem à partilha dos bens da sociedade, sendo necessária a maioria qualificada de ¾ dos votos.

c)       Dissolução com entrada em liquidação (com activo e com passivo): é necessária uma acta em que se delibere a dissolução e liquidação da sociedade e a aprovação das contas, sendo que, existindo passivo por liquidar é necessário proceder à nomeação de um liquidatário.

d)      Dissolução com liquidação por transmissão global (com passivo): exige-se uma deliberação tomada por maioria qualificada de ¾ dos votos, prevendo a dissolução e a aprovação e encerramento das contas. Pode determinar-se que o património será passado para um dos sócios, devendo o mesmo oferecer dinheiro aos restantes, desde que essa transmissão seja precedida de acordo escrito de todos os credores da sociedade.

Importa referir que a sociedade dissolvida não perde a sua personalidade jurídica, sendo possível a sua declaração de insolvência e no âmbito dessa insolvência, sempre será verificada a responsabilidade dos legais representantes ou de terceiros no âmbito do incidente de qualificação de insolvência, conforme já supra mencionado.

Por outro lado, no caso de extinção imediata ou da liquidação e partilha dos bens, a sociedade perde a sua personalidade jurídica, deixando de poder ser parte em juízo. Porém, as ações pendentes contra a sociedade continuam após a extinção desta, contra os administradores e gerentes, representados pelos liquidatários.

Publicado originalmente em 21 de Fevereiro de 2012 e atualizado em 8 de Setembro de 2016 e em 17 de Dezembro de 2017.

A garantia bancária autónoma

A garantia bancária autónoma é uma garantia pessoal, prestada por uma instituição de crédito (geralmente um banco) que tem como propósito indemnizar alguém em determinado montante pela verificação de determinado evento a que as partes tenham atribuído relevância num contrato celebrado entre elas (normalmente designado de contrato base).

Perante uma garantia bancária à primeira solicitação, o garante está obrigado a satisfazê-la de imediato, bastando para tal que o beneficiário o tenha solicitado nos termos previamente acordados.

Sucede que, a maioria das vezes a garantia bancária importa igualmente uma garantia pessoal por parte do sócio gerente da sociedade que a emitiu (aval), colocando-se a questão de como poderá este atuar perante o acionamento de uma garantia first demand, sem que a mesma seja devida ao beneficiário.

Tal situação ocorre nomeadamente no sector da construção civil, onde ocasionalmente são emitidas garantias bancárias, como garantia da boa realização da obra.

Na garantia bancária autónoma, o garante não pode invocar, em princípio, quaisquer meios de defesa provenientes de relações jurídicas distintas da assumida por este com o beneficiário.

Por outras palavras, a autonomia destas garantias traduz-se na inoposição de exceções por parte do garante ao beneficiário, salvo os meios de defesa que forem próprios do garante na relação que tenha com o beneficiário.

Veja-se, a este propósito, a síntese feita pelo recente Acórdão do STJ de 19-05-2014, dizendo que da autonomia retira-se que não podem ser opostas ao beneficiário pelo garante exceções relacionadas com o contrato garantido, mas tão só com o negócio de garantia, concretizando-se no facto de que o garante não tem possibilidade de invocar a prévia excussão de bens do garantido ou a invalidade ou impossibilidade da obrigação por este contraída.

Por forma a contrariar tal situação, explana o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão de 16/06/2011 que “É legitimo o recurso, por parte da requerente, a um meio de tutela antecipada ou conservatória do seu direito, consistente na intimação das requeridas, a primeira, a abster-se de accionar a garantia bancária prestada e, a segunda, a não pagar qualquer quantia ao abrigo dessa garantia, condicionada à realização de prova da verificação do seu invocado direito, bem como da lesão grave e dificilmente reparável desse direito, inexistindo providência cautelar específica particularmente adequada e esta situação.”

Nestes casos, em que a garantia bancária é acionada pelo beneficiário, admite-se, a instauração, pelo mandante, de providências cautelares, urgentes e provisórias, em sede judicial, destinadas a impedir o garante de entregar a quantia pecuniária ao beneficiário ou este de a receber.

Competência para a alienação de bens de menor interdito

Competência para autorização de alienação de bens de menor interdito

2 de Setembro, 2016 by Ana Rita Mendes Deixe um comentário

Dispõe o artigo 2 °, nº 1 alínea b), do D.L. n° 272/2001, de 13 de Outubro, que a autorização para a prática de atos pelo representante do incapaz, quando legalmente exigido, é da competência do Ministério Público. Resulta do mesmo preceito legal, expressamente do nº 1, alínea b), que o disposto no nº 1 do citado artigo 2° daquele Decreto-lei não se aplica aos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de interdição. Coloca-se portanto a questão de saber se no caso de sentença já proferida e transitada em julgado em que seja decretada a interdição, por anomalia psíquica do menor se o processo permanece da competência do Ministério Público – como é regra geral – ou se é competência do Tribunal em que correu o processo de interdição a decisão relativa à autorização de alienação dos bens do menor interdito.

Somos da opinião que a competência será judicial e não do Ministério Público. Vejamos com mais detalhe.

De acordo com o que determinam os artºs.1938º, nº1, alínea a) e 1889º, nº1, alínea a), do Código Civil, o tutor não pode, como representante do pupilo e sem autorização do tribunal, alienar ou onerar bens. Termos em que é manifesto que a validade do acto supra enunciado carecerá de autorização judicial.

Contudo, o Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, veio determinar, no seu artº1º, “… a atribuição e transferência de competências relativas a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as conservatórias do registo civil, regulando os correspondentes procedimentos.”. Aliás, resulta do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 272/2001, publicado no Diário da República – I Série A, de 13 de Outubro de 2001, foi o referido diploma “… ditado por razões de celeridade e eficácia das decisões, para o que importava «desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efectivamente a uma reserva de intervenção judicial” (sic).
Por isso, foi propósito – devidamente concretizado – do legislador proceder «à transferência da competência decisória, em processos cuja principal «ratio» é a tutela dos interesses dos incapazes ou ausentes, do tribunal para o Ministério Público, estatutariamente vocacionado para a tutela desse tipo de interesses…”.
De acordo com a norma contida no artº2º, nº1, alínea b), do aludido diploma legal, integram a competência exclusiva do Ministério Público, “… as decisões relativas a pedidos de (…) autorização para a prática de actos pelo representante legal do incapaz, quando legalmente exigida;”.

Contudo, o n.º 2, alínea b), do mencionado normativo, vem restringir o âmbito de competência do Ministério Público nesta matéria, uma vez que preceitua que o disposto no aludido n.º 1 não se aplica, “Às situações previstas na alínea b), quando esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de interdição.”

Ora, é questão pacífica e comummente aceite entre a Jurisprudência (vide Ac. do S.T.J., de 9-10-2003), que “… tal como acontece com a generalidade dos pressupostos processuais, a competência decisória deve aferir-se em função da causa de pedir enunciada e do pedido concretamente deduzido pelo interessado-requerente da providência”, pelo que tendo já a questão da incapacidade sido apreciada no âmbito de processo de interdição encontra-se o magistrado judicial em melhores condições do que o magistrado do Ministério Público para aferir da legalidade e da bondade dos argumentos invocados pelo requerente da alienação.

Assim, a nossa ver a competência nestes casos será sempre judicial.