Garantia de reparação ou substituição de ventilador por condomíno

Muitos condomínios integram aquando da construção ventiladores para circulação de ar e exaustão de gases que com o decurso do tempo necessitam de reparação ou de substituição, colocando-se o problema de saber se com essa atuação assumem o papel de consumidor final para efeitos de preenchimento do âmbito subjetivo de aplicação do Decreto Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril. e se os bens substituídos no exercício da garantia gozam eles próprios de um prazo de garantia.

I – Preenchimento do âmbito subjetivo do Decreto Lei 67/2003

Estatui o artigo 1.º A do Decreto Lei 67/2003, de 8 de Abril que o mesmo é “aplicável aos contratos de Compra e Venda celebrados entre profissionais e consumidores”, vindo a alínea a) do artigo 1.º B esclarecer que considera-se consumidor “aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com caráter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho”.

Não existindo dúvidas quanto à classificação da entidade vendedora/prestadora como uma empresa que vende bens de consumo no âmbito da sua atividade profissional, o mesmo já não se pode dizer quanto à qualificação da figura do Condomínio como consumidor final, pelo que nos incumbe agora pronunciar sobre a inclusão do mesmo no âmbito de aplicação do Decreto Lei n.º 67/2003.

Não nos apresentando a lei uma solução imediata para a resolução deste problema, somos então a recorrer à atividade jurisprudencial.

Com efeito, prolíficos têm sido os tribunais a decidir sobre esta questão, sendo possível encontrar com facilidade uma miríade de acórdãos em que é abordada a qualificação do Condomínio como consumidor final.

Uma análise detalhada dos mesmos leva-nos à seguinte conclusão: o condomínio será tido como um consumidor final atendendo à natureza da maioria dos seus condóminos.

Nesse sentido, vem o Tribunal da Relação do Porto, no seu acórdão de 26-06-2008, expor que “seria mesmo um absurdo admitir que num prédio constituído sob o regime de propriedade horizontal todos os condóminos fossem consumidores relativamente à sua fracção e deixassem de o ser relativamente às partes comuns que adquirem por efeito da aquisição da sua fracção, não se destinando esta a uso profissional. Naturalmente que a situação será diversa num imóvel constituído segundo o regime de propriedade horizontal em que todas ou a maioria das fracções se destinam ao exercício do comércio por se tratar da situação inversa em que os condóminos não seriam consumidores quanto à fracção que adquiriam para nela exercer o comércio, mas já seriam consumidores quanto às partes comuns desse mesmo edifício”.

Atendendo ao supra exposto, é de aceitar sem reservas a qualificação do condomínio como um consumidor final para efeitos de aplicação do regime legal de proteção do consumidor.

II – Garantia dos Bens Substitutos

Neste ponto foi o nosso legislador mais claro.

Ora tendo sido o serviço prestado no âmbito de uma relação vendedor/consumidor e verificando-se um defeito nos Ventiladores montados, têm V. Exas. toda a legitimidade para exigir a que os mesmos fossem reparados, substituídos, ou pela redução do preço ou resolução do contrato, nos termos do n.º 1 do Artigo 4.º do Decreto Lei N.º 67/2003.

Optando o condomínio pela substituição do ventilador, vem o n.º 6 do artigo 5.º expor que “havendo substituição do bem, o bem sucedâneo goza de um prazo de garantia de dois ou de cinco anos a contar da data da sua entrega, conforme se trate, respetivamente, de bem móvel ou imóvel”.

Porém, cumpre mencionar que atento ao facto de os ventiladores serem bens produzidos por terceiros e não pela entidade que prestou o serviço de montagem, a lei permite ao consumidor reclamar diretamente para o produtor do bem defeituoso, a fim de fazer valer os mesmos direitos que lhe assistiam contra a entidade que vendeu, neste caso a SantaFrio, conforme indica o n.º 1 do artigo 6.º do mencionado Decreto Lei.

Em suma, constata-se que o condomínio é um consumidor final e que o ventilador ainda que reparado ou de substituição integra um prazo de garantia legal de dois anos (ou maior se convencionado) que pode ser accionado junto do vendedor ou do fabricante nos termos das leis do consumo.

Alojamento Local e Condomínio à luz das alterações de 2018

O assunto não é novo e já mereceu tratamento aprofundado nesta nossa página. Contudo, as alterações profundas introduzidas pela Lei 62/2018, de 22 de Agosto justificam retornamos ao tema.

O recente relevo dado ao alojamento local é consequência direta do incremento inesperado do turismo nos principais pontos de atração do território nacional. Os preços praticados pelos turistas seduzem o proprietário de imóveis a desviar o seu foco do tradicional arrendamento urbano para um mais aliciante negócio, que se consubstancia na disponibilização da sua casa a viajantes que pretendem evitar as grandes unidades hoteleiras em prol de opções que se revelam mais económicas.

É seguro afirmar que o alojamento local tem a sua maior incidência em frações inseridas em prédios urbanos constituídos em propriedade horizontal, pelo que se coloca uma importante questão: quais os direitos dos condóminos quando confrontados com a exploração para fins turísticos de uma fração do prédio onde residem?

Enquanto que o proprietário pode, sem necessitar de autorização da assembleia de condomínio, disponibilizar a fração a outrem mediante celebração de contrato de arrendamento urbano, quanto ao alojamento local a questão revela contornos muito mais específicos e que importam uma detalhada análise.

Desde já porque o arrendamento urbano de uma fração pressupõe que o arrendatário venha ocupar uma posição semelhante à do proprietário, nomeadamente de uso e habitação do imóvel, o que não se verifica de todo no alojamento local.

Com efeito, neste último caso, o locatário temporário assume a forma de um turista que vem ocupar a fração durante curto de espaço de tempo, muito raramente ultrapassando a duração de 2 semanas, pretendendo dar uso à fração de igual modo a que o faria numa unidade hoteleira.

Ora tal utilização da fração, e por reflexo, das partes comuns do edifício, pode levar os restantes condóminos a sentirem o seu espaço constantemente invadido por estranhos, potenciado pela movimentação dos hóspedes e do ruído por eles criado.

Surgem ainda dúvidas sobre se o condomínio pode deliberar o aumento das contribuições devidas pela manutenção das partes comuns às frações que se encontrem a ser exploradas para alojamento local.

Tal levou o legislador a acautelar a posição do condomínio aquando da elaboração do Decreto-Lei n.º 128/2014 de 29 de Agosto,alterado pelo Decreto Lei 63/2015 e pela Lei 62/2018, que aprova o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local.

Passamos, por isso, ao enquadramento legal do problema e às questões pertinentes que se levantam.

1 – A afetação de uma fração a alojamento local carece de uma autorização prévia da Assembleia de Condomínio?

A necessidade de autorização prévia da assembleia de condomínio depende do tipo de alojamento local praticado na fração em causa.

Versa o artigo 3.º do Decreto Lei nº 128/2014 que:

1 – Os estabelecimentos de alojamento local devem integrar-se numa das seguintes modalidades:

a) Moradia;

b) Apartamento;

c) Estabelecimentos de hospedagem.

d) Quartos.

2 -Considera-se «moradia» o estabelecimento de alojamento local cuja unidade de alojamento é constituída por um edifício autónomo, de caráter unifamiliar.

3 -Considera-se «apartamento» o estabelecimento de alojamento local cuja unidadede alojamento é constituída por uma fração autónoma de edifício ou parte de prédio urbano suscetível de utilização independente.

4 -Considera-se ‘estabelecimento de hospedagem’ o estabelecimento de alojamento local cujas unidades de alojamento são constituídas por quartos, integrados numa fração autónoma de edifício, num prédio urbano ou numa parte de prédio urbano suscetível de utilização independente.

5 – Semprejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 33.º, os ‘estabelecimentos de hospedagem’ podem utilizar denominação ‘hostel’ se obedecerem aos requisitos previstos no número seguinte e na portaria a que se refere o n.º 5 do artigo12.º

6 – Considera-se ‘hostel’ o estabelecimento cuja unidade de alojamento predominante seja o dormitório, considerando-se predominante sempre que o número de utentes em dormitório seja superior ao número de utentes em quarto.

7 -Consideram-se ‘quartos’ a exploração de alojamento local feita na residência do locador, que corresponde ao seu domicílio fiscal, sendo a unidade de alojamento o quarto e só sendo possível, nesta modalidade, ter um máximo de três unidades.

Em regra geral, o condomínio não tem legitimidade para deliberar uma autorização prévia para a instalação de um serviço de alojamento local numa determinada fração.

O diploma apenas prevê a necessidade de aprovação prévia da assembleia de condóminos nos casos em que o proprietário decida afetar as suas frações à criação de um centro de hospedagem que revista as condições necessárias para ser considerado um “hostel” nos termos do supra referido artigo.

Com efeito, menciona o artigo 4.º n.º 4 do referido diploma que “Não pode haver lugar à instalação e exploração de ‘hostels’ em edifícios em propriedade horizontal nos prédios em que coexista habitação sem autorização dos condóminos para o efeito,devendo a deliberação respetiva instruir a comunicação prévia com prazo”.

Significa isto que, salvo nos casos de exploração de hostels, o proprietário está dispensado de solicitar uma autorização à Assembleia de Condóminos para afetar a sua fração à exploração de serviços de hospedagem.

2 – Pode a Assembleia de Condomínio deliberar o término da exploração de serviços de alojamento local numa determinada fração?

A Assembleia de condóminos possui legitimidade para deliberar sobre o cancelamento do registo sobre o cancelamento do registo do estabelecimento de alojamento local, em casos muito específicos e expostos no diploma em causa.

Sobre esta questão, veja-se o disposto no artigo 9.º,n.º 2 do Decreto Lei 128/2014: “No caso de a atividade de alojamento local ser exercida numa fração autónoma de edifício ou parte de prédio urbano suscetível de utilização independente, a assembleia de condóminos, por decisão de mais de metade da permilagem do edifício, em deliberação fundamentada, decorrente da prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de atos que causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos, pode opor-se ao exercício da atividade de alojamento local na referida fração, dando, para o efeito, conhecimento da sua decisão ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente.”

Contudo, tal deliberação da Assembleia não é final,uma vez que compete ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente apreciar a bondade do pedido de cancelamento do registo, suscetível,por isso, de contrariar a vontade dos restantes condóminos do prédio (artigo 9.º, n.º 3).

3 – Oshóspedes de frações afetas à exploração de serviços estão sujeitos ao cumprimento do regulamento do condomínio?

O Regulamento de Condomínio é um documento cuja função consiste em estabelecer as condições de uso e conservação das partes comuns do prédio,bem como regular as regras de convivência entre os condóminos para minimizar as situações de conflitos de vizinhança. [1]

Ora constituindo a exploração turística de uma fração um foco de conflitos de vizinhança, teve o nosso legislador especial preocupação em contemplar no Decreto Lei 128/2014 a obrigatoriedade do responsável pelo estabelecimento anexar o regulamento do condomínio ao livro de informações sobre o funcionamento da unidade hospedeira.

É igualmente recomendado ao proprietário que disponibilize o seu contacto telefónico ao administrador do condomínio, de modo a que ambas as partes cooperem numa base de confiança e tendo como objetivo último a redução do foco de conflitos de vizinhança.

Por conseguinte, veja-se o disposto nos artigos 12.º, n.ºs 8 e 9: 

“8 – No caso de os estabelecimentos estarem inseridos em edifícios de habitação coletiva, o livro de informações deve conter também o regulamento com as práticas e regras do condomínio que sejam relevantes para o alojamento e para a utilização das partes comuns. (…)

9 – O responsável do estabelecimento deve disponibilizar ao condomínio o seu contacto telefónico”

De salientar que caso o proprietário da fração afeta à exploração de serviços de alojamento local não acate as supra referidas regras incorre na prática de uma contraordenação punida com coima de € 125,00 a€ 3.250,00, no caso de pessoa singular, e de € 1.250,00 a € 32.500,00, no caso de pessoa coletiva (Artigo 23.º, n.º 3).

4 – Pode o Condomínio exigir uma contribuição acrescida ao proprietário de estabelecimento de Alojamento Local?

Este foi um dos aspetos inovadores da alteração legislativa ocorrida com a entrada em vigor da Lei n.º 62/2018, amplamente difundida nos meios de comunicação social.

Enquanto que o diploma originário em momento algum previa que o condomínio tivesse legitimidade para deliberar um incremento das contribuições devidas pela manutenção das partes comuns pelas frações afetas aos serviços de alojamento local, o legislador teve o cuidado de acrescentar uma norma nesse sentido com a mais recente alteração.

Com efeito, versa o artigo 20.º – A do Decreto Lei128/2014, alterado pela Lei n.º 62/2018, que: “O condomínio pode fixar o pagamento de uma contribuição adicional correspondente às despesas decorrentes da utilização acrescida das partes comuns, com um limite de 30 % do valor anual da quota respetiva, a deliberar nos termos do artigo 1424.º do Código Civil.”

Significa isto que, na eventualidade da movimentação de hóspedes no edifício configurar um incómodo de tal magnitude que torne insuportável a utilização pacífica dos espaços comuns pelos condóminos, podem estes vir a exigir do proprietário das frações afetas à exploração de serviços de alojamento local uma compensação pecuniária pelos incómodos que os seus clientes causem ao bem-estar do condomínio.