Arrendamento. Dever de facilitação do acesso ao locado.

O tema desta artigo não sendo novo continua a não ser consensual e merece alguma explicação mais aprofundada. 

No contrato de arrendamento, uma das partes – o senhorio – obriga-se a proporcionar o gozo temporário de uma coisa imóvel à outra parte – o arrendatário –, mediante uma retribuição, nos termos do disposto nos artigos 1022.º e 1023.º do Código Civil (doravante “CC”). 

A primeira questão a analisar é se o direito de propriedade de um determinado imóvel é ou não afetado pela celebração de um contrato de arrendamento. 

A resposta é negativa, o direito de propriedade do senhorio não é afetado pela celebração de um contrato de arrendamento e, como tal, este pode vendê-lo livremente, sem ter de se preocupar com o facto de o imóvel se encontrar arrendado, conforme resulta do artigo 1057.º do CC. 

Não obstante, sublinhe-se que numa situação em que o proprietário de um imóvel arrendado o aliena a um terceiro, o arrendatário poderá ter um direito legal de preferência na compra do imóvel, nos termos do artigo 1091.º do CC. 

Dito isto importa ponderar a hipótese de um inquilino se recusar a permitir o acesso ao imóvel para visitas de eventuais compradores antes do final do contrato.

Na questão controvertida estão em conflito dois interesses: por um lado, os do arrendatário, no que respeita ao direito ao descanso e à reserva da vida familiar e, por outro lado, os do senhorio, que pretende aumentar a probabilidade de vender o imóvel, ao permitir a visita a agências imobiliárias e a potenciais interessados. 

Neste quadro a resposta é tendencialmente afirmativa. 

O contrato de arrendamento para fins habitacionais implica a obrigação, para o senhorio, de proporcionar o gozo da coisa arrendada, isto é, o senhorio deverá disponibilizar o imóvel para que o arrendatário possa habitar no mesmo. Ora, se nada for estipulado em contrário, entende-se que o arrendatário poderá usufruir livremente do imóvel, nos termos contratados, portanto, tendo o direito de não ser importunado nem pelo senhorio nem por terceiros, salvo as situações expressamente previstas na lei. A exceção historicamente prende-se com a necessidade de vistoriar o imóvel para aferir da necessidade de obras.

Mas nem sempre é assim

Caso o contrato de arrendamento se encontre na iminência de cessar, quer por acordo das partes, resolução, caducidade ou denúncia, o arrendatário está obrigado a facultar o acesso ao imóvel, durante os três meses anteriores à desocupação do imóvel, em horário a acordar com o senhorio, nos termos do n.º 3 do artigo 1081.º do Código Civil. 

Caso as partes não cheguem a entendimento quanto ao horário em que as visitas ao imóvel devam acontecer, aplica-se a regra estatuída no n.º 4 do artigo 1081.º do CC, isto é, quanto às visitas marcadas para dias úteis, estas devem ocorrer entre as 17h30 e as 19h30, e aos fins de semana das 15h às 19h

Aqui chegados, resumindo a informação acima exposta, caso nada tenha sido estipulado no contrato de arrendamento celebrado, o inquilino é obrigado a mostrar o locado ao senhorio, desde que seja feito um aviso prévio de 15 dias, para efeitos de verificação da manutenção do imóvel e não para efeitos de venda. No caso de venda, só está obrigada a fazê-lo nos noventa dias anteriores ao termo do contrato e em horários que respeitem a sua vida privada.

Arrendamento de arrumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: 

O presente artigo baseia-se num parecer que nos foi solicitado acerca da possibilidade de um condomínio arrendar os arrumos a quem o pretenda, cabe saber se estes podem ser arrendados a terceiros, aos condóminos do prédio, ou a ambos.  

ANÁLISE:  

Antes de qualquer consideração de maior, importa realçar que o prédio em causa está constituído em propriedade horizontal, cujo regime legal está previsto nos artigos 1414.º e seguintes do Código Civil (doravante CC).   

Com efeito, de acordo com o artigo 1414.º, “As frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal”, de modo que apenas podem ser objeto deste tipo de propriedade as frações autónomas que constituam unidades independentes, distintas e isoladas entre si, e dotadas de saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública, vide artigo 1415.º do refiro diploma legal.   

Ora, estando um prédio constituído em propriedade horizontal, os seus moradores são considerados condóminos do mesmo, ficando, por isso, legalmente instituídos num conjunto de direitos e deveres.   

Para o que ora interessa, e no âmbito dos direitos dos condóminos, o artigo 1420.º, n.º 1 do CC dispõe que: “Cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”. Razão pela qual importa, em primeiro lugar, apurar quais as partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal, maxime, e atendendo ao cerne da questão subjudice, se os arrumos constituem, ou não, parte comum. 

Possibilidade de ser arrendado a condóminos: 

Nesta possibilidade é de referir que, as partes comuns estão na qualidade de compropriedade, o que significa que todos os condóminos são proprietários em comum dessas partes, nos termos do art.1403º , nº1 do CC, tendo o direito de uso, administração e disposição da coisa comum.  

Assim, não haverá necessidade de arrendar os arrumos aos condóminos, uma vez que estes podem dispor deles quando assim o entendam, nos termos do art.1408º nº1 do CC.  

Possibilidade de ser arrendado a terceiros:  

Quanto a esta possibilidade é de referir que, de acordo com o artigo 1421.º, n.º 2 do CC, “São comuns as seguintes partes do edifício: e) Em geral, as coisas que não sejam afetadas ao uso exclusivo de um dos condóminos”.  

Pelo que, cabe saber se os arrumos se inserem nesta alínea e se podem ser consideramos como parte comum. Assim sendo, é de aferir se os arrumos são de uso exclusivo de um dos condóminos, ou seja, se um dos condóminos utiliza os arrumos para uso próprio, se assim o for, esta presunção, existente no art.1421º nº2 al. e), é ilidida.  

Assim, segundo o nº2 do art.1421º do CC, trata-se de uma presunção ilidível, ou seja, pode ser afastada se indícios resultarem que essa parte é afeta a uso exclusivo de um dos condóminos, segundo o nº3 do art.1421º do CC.  

Nestes termos, se os arrumos não se encontrarem afetos ao uso exclusivo de um dos condóminos, segundo o nº3 do art.1421º nº3 do CC, é considerado parte comum, e assim sendo, é necessário o consentimento dos outros condóminos comproprietários, para arrendar os referidos arrumos, nos termos do art.1430º nº1 do CC, “A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador”.  

Face ao exposto, é necessário consultar o título constitutivo, no sentido de saber se este dispõe neste sentido. De seguida, é necessário consultar os restantes condóminos, em assembleia de condóminos de forma a deliberar sobre o assunto. Sendo que, as pessoas coletivas ou singulares que venham a arrendar estes arrumos estão sujeitas aos deveres e limites impostos aos condóminos, nos termos do art.1422º nº1 e nº2, e art.1424º do CC.  

Ainda é de referir, que o arrendamento de uma parte comum do prédio não retira a qualidade de comproprietário aos restantes condóminos, sendo que é um “direito incindível”, ou seja, não se pode alienar, nos termos do art.1420º nº1 do CC. 

No entanto, assiste ao comproprietário o direito de dispor da sua quota parte, nos termos do art.1408º nº1, “O comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela, mas não pode, sem consentimento dos restantes consortes, alienar ou onerar parte específica da coisa comum”, uma vez que, os condóminos comproprietários das partes comuns tem os seus direitos e deveres regulados pelo Capítulo V do CC.   

Face ao exposto, é de referir que as partes comuns do prédio estão sujeitas ao regime de compropriedade, e por isso cada comproprietário pode livremente dispor da sua quota parte. No entanto, é de salientar que é necessário analisar o título constitutivo, que pode dispor em sentido contrário quanto à qualidade dos arrumos, uma vez que se presume parte comum, no entanto esta presunção é ilidível, nos termos do nº2 do art.1421º nº2, ou seja, pode ser afastada com prova em contrário.  

O destino a dar aos arrumos deve ser discutido em Assembleia de condóminos, no sentido de todos os condóminos deliberarem sobre a possibilidade de arrendar a parte comum, e conferir se esta não está afeta a uso exclusivo de algum dos condóminos. Deste modo, podem os condóminos dispor dessa parte comum, no entanto, o locatário está sujeito às limitações impostas pelo art.1422º, nomeadamente o nº2 “É especialmente vedado aos condóminos, al c): Dar-lhes uso diverso do fim a que é destinada”. Portanto, sendo arrumos tem de ser afeto a essa finalidade. Sendo que lhe incumbe também atos de conservação e fruição, segundo o art.1424º nº1.  

Assim, o contrato de arrendamento é celebrado nos termos do art.1022º e seguintes, sendo que nos termos do art.1024º nº1 do CC, “A locação constitui, para o locador, um ato de administração ordinária, exceto quando for celebrada por prazo superior a seis anos”. No seguimento do já referido, à Assembleia de condóminos compete deliberar atos de administração de partes comuns, nos termos do art.1430º nº1 do CC.  

Neste sentido, AC TRL de 03-07-2003, Proc. nº4853/2003-6: “De acordo com o nº 2 do art. 1024º do CC, o arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só se considera válido quando os restantes proprietários manifestem, antes ou depois do contrato, o seu assentimento”. 

Isto significa que o contrato de arrendamento de uma parte comum de um prédio em propriedade horizontal só é válido se todos os condóminos estiverem de acordo, caso contrário o mesmo será nulo. 

Concluindo, no seguimento do supra referido, cumprindo certos requisitos e formalidades é possível arrendar parte comum a terceiros, no entanto é sempre necessário o consentimento dos condóminos para esse efeito, uma vez que a parte comum, neste caso os arrumos, está na qualidade de compropriedade de cada um dos condóminos e a sua utilização sem o seu consentimento é posse de coisa alheia.  

Quanto à possibilidade de arrendamento aos condóminos, este não é a nosso ver possível, uma vez que os condóminos têm já direito a dispor de partes comuns do prédio.  

Diferenças entre arrendamento e comodato

A principal diferença entre o contrato de comodato e o contrato de subarrendamento (ao qual se aplicam as disposições relativas ao contrato de arrendamento) é essencial a onerosidade, visto que, contrariamente ao arrendamento, o contrato de comodato é gratuito. 

Esta característica leva a que o regime seja manifestamente diferente entre ambos os contratos.

Em primeiro lugar, no contrato de comodato, visto não existir qualquer contrapartida financeira pela cedência do imóvel, não há lugar ao pagamento de qualquer imposto, contrariamente ao que acontece no contrato de arrendamento. 

Além disso, o comodato traz também a vantagem para o proprietário de poder reaver o imóvel a todo o tempo sem ter de aguardar pelo fim do contrato, isto é, como se trata de um contrato gratuito, o mesmo confere mais direitos ao comodante visto que este não está a obter nenhuma contrapartida financeira pela cedência do local, pelo que os seus direitos terão de ser mais amplos. 

Por outro lado, o contrato de arrendamento implica uma contrapartida económica para o senhorio, pelo que, ainda que haja lugar ao pagamento de impostos, haverá sempre um lucro, o que não acontece no comodato.