Volvidos quase 15 anos sobre a prolação do histórico Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 2009 sobre ruído de vizinhança a evolução da jurisprudência – que num primeiro momento da sinais de evolução – parece ter estagnado. No decurso da pandemia, embora se tenha falado em tornar o regulamento mais exigente, para acautelar a situação das pessoas em teletrabalho, não chegou a existir qualquer alteração legislativa nesta matéria. E o panorama nos Tribunais também não se alterou significativamente com poucas sentenças e sobretudo atuação ao nível da justiça de proximidade.
Aqui ficam dois exemplos:
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (dgsi.pt) Tribunal da Relação de Lisboa. Acordão de 3/5/2018
Sentenças de Julgados De Paz (dgsi.pt) Julgado de Paz do Oeste. Sentença de 26 de fevereiro de 2019.
Claro que, como assinalámos na versão original deste artigo, a revisão em alta pela jurisprudência dos valores indenizatórios relativamente ao prevaricadores foi importante (Condenada a pagar 7500 euros a vizinho por fazer ruído (dn.pt) .
Depois, e muito importante, a redução dos prazos para o agendamento das audiências de julgamento, no âmbito dos poderes de gestão processual dos Magistrados, e que passam em muitos casos pela não realização da audiência de partes ou de outros mecanismos de agilização como a apresentação da contestação e prova até à audiência de julgamento. Da nossa experiência profissional recente avulta o agendamento de audiências em prazos inferiores a 30 dias relativamente à dada da instauração da petição, dependendo das comarcas. No essencial tem sido sensibilidade dos senhores magistrados, que reputamos resultar de recomendação do Conselho Superior de Magistratura ou ações de formação no CEJ, de que estes assuntos têm prioridade nas agendas dos Tribunais.
Apesar destas evoluções, talvez se justificasse uma alteração legislativa, uma vez que a reação a estes comportamento obriga ainda as vitimas a esforços significativos do ponto de vista financeiro (por exemplo relacionados com as custas judiciais ou o custo de uma medição de ruído) e de sensibilização das autoridades.
Deixamos aqui os contributos das colegas Raquel Caixado, Ana Rita Mendes e Ana Alegria nas sucessivas revisões ao artigo publicado, a quem agradecemos o tempo e a generosidade dedicadas a este assunto.
Atualização de Setembro de 2016
Regresso ao tema pelo interesse demonstrado pelos inúmeros comentários e pela impossibilidade de responder a todos eles a que a vertigem do nosso quotidiano de barra impede. As conclusões que retiro da minha experiência profissional e da análise da jurisprudência são contraditórias: se por um lado existe uma maior sensibilização das autoridades políciais, do poder local e judiciais (ver resenha de jurisprudência publicada pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre as questões do Direito ao Descanso e Sossego) para o tema, a verdade é que os casos que chegam aos Tribunais são ainda reduzidos, as Câmara Municipais ainda demoram demasiado tempo a realizar os testes acústicos (muitas vezes por limitações ao nível dos equipamentos) e as autoridades policias nem sempre respondem ou têm a competência, sensibilidade ou a firmeza necessária para mediar estes conflitos de vizinhança. Como fica demonstrado também pela quantidade e qualidade dos depoimentos aqui prestados o panorama continua a ser o de relativa impunidade dos barulhentos.
Atualização de Setembro de 2012
A situação verifica-se ao nível da justiça de proximidade Por exemplo nesta decisão recente do Julgado de Paz de Coimbra não obstante se ter provado que os ruídos provenientes de um animal era susceptíveis de tutela pelo Direito, não se consideraram verificados os pressupostos da responsabilidade civil, e não se indemnizou o lesado, obrigando-o inclusive a liquidar as custas do processo. Outro exemplo é a decisão recente do Julgado de Paz de Sintra que não obstante considerar que um estabelecimento de restauração e bebidas criava ruído de vizinhança por manter ligadas arcas frigoríficas em permanência, apenas condenou o faltoso numa indemnização de 200€ (que nem chegou a cobrir o valor da medição acústica entretanto contratada).
Desconhecendo os casos concretos que determinaram estas sentenças e não podendo opinar sobre a justeza de decisões em que não intervimos, sempre se dirá que permanece algum status quo nesta matéria com que aparentemente o Acórdão que aqui comentámos em 2009 não conseguiu romper.
Artigo original publicado em 18 de Julho de 2009
O Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 2009 sobre ruído de vizinhança veio alterar substâncialmente as regras de jogo quanto à convivência condomínial. Pela sua importância reproduzo parte das conclusões do aresto:Pela sua importância reproduzo parte das conclusões do aresto:
“A actuação de quem, habitando o 1º andar de um prédio, produz ruído, propositadamente, a partir das 22 horas, batendo com um objecto tipo martelo ou actuando como tal, no soalho da sua habitação, ao longo das divisões, atirando com objectos pesados que produzem estrondo no chão e pondo o volume da aparelhagem sonora e da televisão em registo audível no rés-do-chão do mesmo prédio, impedindo tal ruído, pela sua intensidade, duração e repetição, os habitantes do rés-do-chão – um casal e duas filhas menores – de dormir, e obrigando-os, por vezes, a pernoitar fora de casa, em hotéis e pensões, viola o direito ao descanso e ao sono, à tranquilidade e ao sossego destes, que são aspectos do direito à integridade pessoal”.
“Se, em consequência de tal actuação, o casal e as duas filhas sofreram profundo sofrimento, angústia e dor, as menores mostravam agitação e terror de voltar para casa, a mulher passou a ter crises compulsivas de choro e a andar deprimida, sendo o seu quadro depressivo agravado por estar grávida, e o marido ficou angustiado e ansioso, e perdeu algumas deslocações profissionais ao estrangeiro pelo extremo cansaço decorrente da impossibilidade de dormir, estamos perante danos não patrimoniais que assumem gravidade suficiente para justificar a intervenção reparadora do direito”.
“A ilicitude, nesta perspectiva, dispensa a aferição do nível de ruído pelos padrões legais estabelecidos: a ilicitude de um comportamento ruidoso que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros está, precisamente no facto de, injustificadamente, e para além dos limites do socialmente tolerável, se lesar um dos direitos integrados no feixe dos direitos, liberdades e garantias pessoais.”
O tema já havia por mim sido debatido noutro blog gerando todo o tipo de reacções e comentários por parte de colegas de profissão e cidadãos que se vêm confrontados com este verdadeiro flagelo social. Parte dos textos e comentários são anteriores ao Acórdão do Supremo, mas mantém actualidade, merecendo a sua republicação neste espaço, agora com vista a suscitar debate mais técnico entre os profissionais do foro.
Um dos maiores problemas da vivência em prédios constituídos em propriedade horizontal está relacionado com o ruído que com frequência se faz sentir. É o chamado ruído de vizinhança.
O artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Decreto-Lei 292/2000 de 14 Novembro, definia o ruído de vizinhança como o “ruído associado ao uso habitacional e às actividades que lhe são inerentes, produzido em lugar público ou privado, directamente por alguém ou por intermédio de outrem ou de coisa à sua guarda, ou de animal colocado sob a sua responsabilidade, que pela sua duração, repetição ou intensidade, seja susceptível de atentar contra a tranquilidade da vizinhança ou a saúde pública.”
Para a salvaguarda da tranquilidade da vizinhança e da saúde pública, as actividades ruidosas estão sujeitas a restrições. Assim, o exercício de actividades ruidosas é interdito durante o período nocturno, entre as 18 horas e as 7 horas, e aos sábados, domingos e feriados, excepto se autorizadas por licença especial de ruído concedida pela câmara municipal ou pelo governador civil.
Como proceder em caso de ruído de vizinhança?»
Quando houver uma situação de ruído de vizinhança os interessados podem apresentar queixa à autoridade policial da área. Sempre que o ruído for produzido no período nocturno, as autoridades policiais ordenam à pessoa ou pessoas que estiverem na sua origem a adopção das medidas adequadas para fazer cessar, de imediato, a incomodidade do ruído produzido. Se o ruído de vizinhança ocorrer no período diurno, as autoridades policiais notificam a pessoa ou pessoas que estiverem na sua origem para, em prazo determinado, cessar as acções que estão na sua origem ou tomar as medidas necessárias para que cesse a incomodidade do ruído produzido.
Sobre este tema recomendo consulta aos sumários do Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça entre 1997 e 2012 sobre Direito ao Descanso e ao sossego
Ainda sobre esta temática tive igualmente oportunidade de participar num debate promotivo pelo Rádio Clube Português conjuntamente com António Lino jurista da Deco e Romão Lavadinho da Associações de Inquilinos Lisbonenses. As opiniões dos meus colegas de painel coincidem com a minha: nada será como dantes na defesa do direito ao sossego e na reacção judicial contra os vizinhos barulhentos.
Pode ouvir na integra o debate neste link para a página do Rádio Clube Português.
Artigo publicado no Jornal Público sobre esta matéria: Impedir a vizinhança de dormir pode sair caro
Artigo publicado no nosso site sobre a reacção pela via admnistrativa/policial pelo Dr. Rui Dias: Ruído de vizinhança: Alertar as autoridades é alternativa?
Publicado originalmente em 18 de Julho de 2009. Actualizado em 21 de Fevereiro de 2012, em 2 de Setembro de 2016, em 4 de Setembro de 2017 e em 4 de Julho de 2018