Advogados proletários?

Parece crescente a inquietação com o fenómeno que passou a existir entre os estudantes, candidatos à advocacia e profissionais do direito, a que alguns chamam, com propriedade, de “proletarização da advocacia”. Na base desta qualificação encontra-se o facto de enquanto profissionais historicamente os advogados terem gozado de prestígio e estatuto social por exercerem funções imprescindíveis ao Estado de Direito. Contudo, nos últimos anos muitas mudanças ocorreram na composição, formação e modelo de trabalho dos escritórios de advocacia. Na composição, o crescimento exponencial do número de advogados – de 1.964 em 1960 para 30.475 em 2016 segundo o Pordata – originou um excesso de oferta. Na formação a exigência desceu nas Universidades e na formação inicial na Ordem o que conduziu à redução da qualidade dos serviços prestados. Nos escritórios os serviços jurídicos transformaram-se em simples mercadorias numa aproximação ao modelo das empresas fazendo com que os advogados e advogadas vão perdendo o domínio completo de seus processos, que antes acompanhavam do início ao fim. Já se escreveu que este processo transformou operadores do Direito em verdadeiros “operários do direito”, integrados numa empresa ou a viver exclusivamente do mecanismo de apoio judiciário.

A questão contaminou igualmente a discussão na Ordem dos Advogados sobre o que queremos do nosso sistema privativo de Segurança Social (fundo de pensões de reforma até como até aqui ou conversão num sistema assistencialista) e estou em crer terá sido mesmo determinante nas recentes escolhas dos advogados dos representantes eleitos no final de 2019.

Feito o diagnóstico – que é pacífico – parece existirem duas soluções em confronto genericamente aceites como únicas e opostas. Do lado progressista, vozes como as do Dr. José Manuel Pureza em “os Advogados Proletários” (https://www.esquerda.net/opiniao/os-advogados-proletarios/53299)  têm defendido a “obrigação de aplicação das regras do Direito do Trabalho (a começar pela celebração de contratos de trabalho)” e a implementação de direitos sociais (parentalidade, doença, etc.) em substituição da atual Caixa de Previdência. Do lado conservador, vozes como o Dr. Manuel Magalhães e Silva em entrevista à Revista do Conselho Regional da Ordem dos Advogados (http://livraria.aafdl.pt/index.php?id_product=966&id_product_attribute=0&rewrite=revista-do-conselho-regional-de-lisboa-da-ordem-dos-advogados-1&controller=product&id_lang=5 ), defende restrições no acesso à profissão com a obrigatoriedade de realização de mestrados (com currículos definidos pela Ordem) e a sua superação com uma média de no mínimo 14 valores, por forma a franquear o acesso à profissão apenas “aos melhores”.

Salvo o devido respeito – que é muito – pelas posições enunciadas, pensamos que a solução não se encontra no aumento das já altíssimas contribuições dos membros da Ordem para a criação do “perfeito” sistema assistencialista; nem tão pouco nas limitações à ofertaA solução – estamos em crer – está do lado da procura e do seu estimulo.

Eyal Katvan, Carole Silver, Neta Ziv, Avrom Sherr escrevem em Too Many Lawyers?: The future of the legal profession, Routledge, 2016 (https://www.amazon.com/Too-Many-Lawyers-future-profession/dp/1138212792):

“Legal professions emerged and matured by aggressively restricting supply, thereby increasing the monopoly rents they were able to extract and produce rising – same would say excessive – lawyer incomes. Recent increases in the production of lawyers were the response. They may have overshot the mark. Certainly, law school enrolments failed to respond quickly to the global recession. But rather rush to impose “solutions” that once again restrict the production of lawyers, we should reflect on the historical and comparative of supply control by lawyers. The legal profession exists to serve the public, not its own members. Entry barriers can be justified only if they are demonstratively necessary to ensure a minimum level of competence. Advocates of restrictive practices must show they are essential to protect clients against lawyers overreaching or misconduct. Efforts to expand access to justice should be applauded and not stigmatized”.

Não podíamos concordar mais: a solução está no aumento do acesso aos serviços jurídicos e não na limitação da oferta. E havendo situações que escapam ao controlo dos profissionais porque dependentes exclusivamente do poder político (como a justíssima proteção dos condenados em Processo Penal no acompanhamento nos processos instruídos nos Tribunais de Execução de Penas ou o alargamento da proteção jurídica obrigatória nos litígios fiscais), há situações que dependem da auto regulação da Ordem e podem incrementar a procura de serviços jurídicos.

Deixo, sem qualquer pretensão, dois exemplos autoexplicativos: Primeiro, a adoção do patrocínio obrigatório conjunto por dois advogados (um com mais de 5 anos de carreira e outro jovem) em determinados processos de maior complexidade (litígios cíveis que ultrapassem a alçada a Relação ou no julgamento de crimes da competência do Tribunal Coletivo). Se nestes processos o Estado entende – e bem – que a decisão deve competir a mais do que um magistrado porque é que a representação de um particular que têm em jogo a sua vida ou património fica confiada a um solista? (nos sistemas saxónicos uma solução similar assente na diferença entre “solicitor” e “barrister” funciona com sucesso desde o Sec. XIX). Segundo, novo aligeiramento das regras da publicidade por forma a permitir a democratização no acesso aos media e redes sociais e colocar o mercado concorrencial a funcionar (concorrência com regras entre colegas, mas também com outras profissões que não raro praticam impunemente os nossos “atos próprios”). Não podemos continuar a chorar sobre o “leite derramado” do desvio de clientes da advocacia pela “porta do cavalo” por parte de grandes empresas, solicitadores e contabilistas no mercado selvagem da recuperação de créditos quando nos negamos eticamente de lhe dar a merecida luta…

A massificação e a proletarização da advocacia só serão combatidas pelo mercado e não por manifestações de rua, restrições regulamentares ou subvenções estatais, e espero e confio, que os recém eleitos dirigentes da nossa Ordem perfilhem esta filosofia.

Relação de concurso entre crimes de recetação e burla.

Como sabemos, e resulta do artigo 231º do Código Penal, para que exista um crime de recetação não basta o conhecimento ou a suspeita por parte do agente que a coisa tem origem ilícita ou mesmo criminosa, sendo necessário que o agente tenha conhecimento ou suspeite, que a coisa provém de facto ilícito típico contra o património. Neste sentido se pronunciam Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código Penal, Pedro Caeiro no Comentário Conimbricense, o Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/07/2012, e 16/02/2017.

No essencial, até porque se trata de matéria crescentemente pacífica, os argumentos aí em confronto traduzem-se no seguinte. O crime de recetação é um tipo de ilícito exclusivamente culposo, o que afasta a sua punibilidade a título de negligência ou mesmo de dolo eventual. A questão é esta: a construção das sentenças de primeira instância que deram origem aos arestos supracitados da Relação de Lisboa relacionados com negociantes profissionais ou ocasionais de veículos automóveis quanto ao crime de burla baseiam-se naquilo que Paulo Pinto de Albuquerque chama de “ligação da coisa suspeita ao dever de informação sobre a sua proveniência”. O raciocino por detrás das sentenças revertidas é o seguinte: será que atendendo ao valor de venda dos veículos abaixo dos valores de marcado não poderia e deveria o arguidos ali sujeitos a julgamento concluir pela proveniência ilícita do veículo? Ora, este raciocino que é legítimo para o crime de burla não vale para a recetação que não admite o tipo negligente.

Mas se me permitem o arrojo há outra razão que igualmente impõe uma reflexão quanto ao crime de recetação, e que salvo o devido respeito, não temos visto suficientemente glosado na jurisprudência. Para que a recetação possa ser punida autonomamente em relação aos crimes de burla tem de existir a intenção conseguir um proveito de ordem patrimonial diferente do ilícito originário. Ora, no caso das sentenças revertidas que servem de base a esta análise mesmo admitindo que os veículos possam ter sido detidos, conservados ou transmitidos por algum dos arguidos não se antevê com facilidade que possa existir no reino das possibilidades qualquer intenção de lucro autónomo diferente da própria burla. Dito de outra forma: alterar as matriculas ou chassis de um veículo com o objetivo de que este passa ser vendido a pessoa diferente do proprietário e obter daí um proveito é algo que se entende. Diferente, é juntarmos uma segunda intenção criminosa no momento da detenção.

O problema é, aliás, a nosso ver, o mesmo relativamente à relação de concurso entre os crimes de falsificação e burla (ainda que sem o mesmo grau de consenso na jurisprudência). Não existem duas intenções criminosas dignas de validação autónoma pelo direito mas apenas uma.

Varandas. Responsabilização do Proprietário por Danos Causados pela Falta de Conservação

Não raro somos confrontados com litígios relativos ao enquadramento jurídico e eventual imputação de responsabilidade a um condómino por danos ocorridos em marquise situada diretamente abaixo da sua varanda. 

A eventual imputação de responsabilidades ao condómino em questão funda-se necessariamente no artigo 493.º do Código Civil: “1 – Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.” 

Na qualidade de proprietário da fração, o condómino responde pela violação dos deveres de conservação do seu imóvel e dos danos que daí advierem para os restantes vizinhos, como por exemplo em situações de infiltrações nos soalhos. 

Contudo, em crise encontra-se a qualificação a dar ao chão da varanda para efeitos de responsabilização do proprietário pelos danos causados em marquise edificada diretamente abaixo, fruto de infiltrações ocorridas. 

A questão da natureza jurídica das Varandas em Edifícios constituídos sob o regime de propriedade horizontal tem suscitado controvérsia doutrinária e jurisprudencial. Existem essencialmente três posições:  

A Varanda enquanto parte comum do Condomínio, uma vez que paredes exteriores ou paredes interiores pertencem à estrutura do imóvel, não podendo ser alteradas ou eliminadas sem risco para toda a construção – Ac. STJ de 31/05/2012.  

A Varanda enquanto propriedade privada de determinado Condómino: Quando a Varanda se encontra afeta ao uso exclusivo de um Condómino, realizando-se o acesso unicamente pela respetiva Fração Autónoma. Entende-se que esta afetação material ou destinação objetiva é facto suficiente para afastar a presunção de comunhão prevista na alínea e do nº 2 do artigo 1421º do Código Civil (Partes Comuns do Prédio) – Ac. RL, de23/03/2012;  

A Varanda enquanto, simultaneamente, parte comum do Condomínio, no que respeita ao exterior correspondente à fachada do Edifício, designadamente as paredes exteriores que pertençam à estrutura do imóvel, e que não possam ser alteradas ou eliminadas sem risco para toda a construção e a Varanda enquanto parte privativa do Condómino, no que concerne à parte interior que estaria exclusivamente ao serviço do Condómino, proprietário da Fração Autónoma, realizando-se o acesso unicamente pela respetiva Fração. Ac. RL de 07/05/1985. 

Estipula o artigo 1421.º do Código Civil que “presumem-se (…) comuns:  

a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio 

b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção 

(…) 

2. Presumem-se ainda comuns:  

(…) 

 e) Em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.  

Do preceito legal acima indicado retira-se que as varandas constituem parte comum do prédio na parte que diz respeito à parede ou cobertura do edifício, enquanto que se consideram parte integrante da fração do condómino quando se trate do seu interior. 

Por conseguinte, subscrevemos a posição de que a varanda constitui tanto parte comum do condomínio como parte privativa da fração autónoma. 

Com efeito, depreende-se da alínea e) do n.º 2 do artigo 1421.º do Código Civil, a contrario senso que, não existindo indicação em contrário no título constitutivo da propriedade horizontal, todas as áreas que se encontrem afetas ao uso exclusivo de um dos condóminos devem considerar-se parte integrante da fração. 

Consequentemente, salvo os casos em que existem varandas partilhadas entre condóminos ou exista um acesso que permita aos restantes condóminos aceder à varanda, o chão de uma varanda é, imperativamente, parte integrante da fração. 

“As varandas, como componentes da fachada do edifício, são partes comuns (…) O que da varanda está exclusivamente ao serviço do condómino proprietário da fracção que lhe dá acesso”(Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-05-1985). 

Salvo o devido respeito pelo entendimento contrário, não nos parece de acolher como aplicável a alínea a) do n.º 1 do artigo 1421.º do Código Civil à totalidade da varanda. 

Em regra a responsabilidade pelos danos decorrentes das partes comuns é do Condomínio, comprovando-se que a proveniência é de uma parte comum. 

Situação diferente é a presente, ou seja, a infiltração provém do interior da fração do condómino do andar superior. 

Como cada fração dispõe das suas instalações técnicas especiais, recai sobre o condómino proprietário dessa fração, o dever de proceder, a suas expensas, nomeadamente à manutenção e reparação dos defeitos que integram a sua fração, e de indemnizar os danos que a falta ou deficiência na manutenção e reparação ocasione seja noutras frações ou seja na partes comuns do edifício. Conforme supra referido, aplica-se a estes casos as regras gerais da responsabilidade civil, nomeadamente o artigo 493.º do Código Civil. 

Procuração outorgada após a Assembleia de Condóminos

Como sabemos, os condóminos que não possam ou não queiram estar presentes na Assembleia de Condóminos podem fazer-se representar na assembleia, de acordo com o artigo 1431.º do Código Civil.

Contudo, numa Assembleia de Condóminos não raro encontram-se condóminos ausentes, sendo a procuração outorgada em momento posterior, o que suscita questões qunato à representatividade da Assembleia ou mesmo quanto à possibilidade de impugnação das deliberações tomadas.

A nosso ver, é possível suprir em algumas situações a irregularidade da representação em determinadas circunstâncias, quando é do conhecimento da ASsembleia e de quem a dirige de que existe uma intenção de que alguém se faça representar na Assembleia, apresentando em momento posterior a procuração.

Faz-se notar que o artigo 262.º Nº2 do Código Civil estabelece que “a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar”.

Pelo que é legitmo perguntar-se que forma é esta que deve revestir a procuração. Uma procuração outorgada notarialmente? Certamente que não. Um documento escrito previamente elaborado?  Pensamos igualmente que não.

Quantas vezes somos confrontados em Assembleias com condóminos que transmitem que “o vizinho cima lhe pediu para o representar e que depois envia a procuração”. Deve ser aceite?. Ou um condómino a quem se toca à campainha e estando ocupado pede ao administrador que o substitua. Deve ser aceite?.

Pensamos quer sim, dada a relativa informalidade e proximidade das relações entre proprietários de frações autónomas no mesmo prédio.

Sobre esta matéria fez jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa através de Acórdão de 7-5-2009:

1-Na reunião da assembleia de condóminos, a qualidade de condómino pode ser reconhecida face à lista de proprietários das fracções do edifício e o conhecimento da identidade de quem se apresente como tal pelos membros da mesa da assembleia.

2-Nas reuniões das assembleias de condóminos, estes podem fazer-se representar por procurador, bastando que os poderes sejam conferidos por documento escrito, considerando-se, se nada for estipulado, que os poderes são os do representado.

3-A acta da reunião da assembleia de condóminos pode ser elaborada em seguida à reunião, desde que da mesma conste, de forma fidedigna o que se passou na reunião e seja redigida e assinada nos termos da lei.

4-A procuração para representar o condómino em reunião de assembleia de condóminos, pode ser outorgada a membro da mesa da assembleia, que exerce o direito de voto de acordo com as instruções que lhe são conferidas pelo representado, no âmbito da relação de mandato que entre ambos se estabelece.

Daqui resulta que para a participação na Assembleia basta o reconhecimento da Mesa ou uma procuração que deve constar de documento escrito; nada se assinalando sobre o momento em que esse escrito deve ser exibido.

Desta forma, somos de opinião, que pode o presidente da Mesa aceitar que a mãe de uma condómina a represente em Assembleia desde que lhe tenha sido dada por esta instrução nesse sentido (e o Presidente da Mesa a conheça) e que posteriormente seja junta a ata a procuração. Dir-se-á que a situação deve revestir natureza excecional e que Presidente da Mesa fica colocado numa situação difícil se a procuração não vier a ser junta. Cremos que sim, mas existindo uma relação de confiança entre quem dirige os trabalhos e o vizinho que dá as instruções cremos que não revista ilegalidade o procedimento assim descrito. O mesmo se diga por maioria de razão quanto ao legal representante de uma sociedade.

Meios de vigilância para fiscalização de obra

Num contrato de empreitada nas partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal compete ao dono da obra proceder ou indicar responsável pela fiscalização. Tal cuidado é tanto mais importante quanto considera-se excluída a aceitação da obra, desde que se possa provar ter sido a comunicação dos defeitos realizada atempadamente, já que o objectivo da fiscalização dos trabalhos é o de evitar que este continue a ser executado nessas condições. Mas com este objectivo pode o dono da obra instalar nas partes comuns (por exemplo no telhado ou num terraço de cobertura) meios video para acompanhamento da obra?

Com a entrada em vigor do Regulamento de Protecção de Dados da União Europeia em Maio do ano passado deixou de ser necessária a prévia autorização da Comissão de Protecção de Dados para a instalação de câmaras de vídeo vigilância no condomínio. A matéria foi amplamente noticiada como resulta deste clip https://observador.pt/2018/04/30/instalacao-de-sistemas-de-videovigilancia-vai-passar-a-ser-livre

Isto não significa que não se mantenham as demais obrigações previstas na Lei 34/2013, de 16 de Maio, relacionadas com salvaguarda dos direitos, das liberdades e das garantias, bem como do direito à imagem, à liberdade de movimentos e à reserva da vida privada. (poderão os leitores encontrar a legislação aqui: https://www.cnpd.pt/bin/legis/nacional/Lei_34_2013_Seguranca_privada.pdf

E não significa igualmente que não careça de deliberação unânime da Assembleia de Condóminos. A base legal para a unanimidade encontra-se no artigo 1432º nº3 do Código Civil, referente às deliberações das assembleias de condóminos, onde se prevê a votação por maioria dos votos representativos do capital investido, salvo disposição especial, o que se verifica, na situação em análise, em virtude das normas especiais do Regulamento de Protecção de Dados (no sentido da exigência de unanimidade para instalação de câmaras de vídeo vigilância veja-se estes acórdãos http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/4dc541d80ab909cc80256ed30038e04e e http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/0917c39a5e45ee4f8025739f0051b904?OpenDocument onde se pode ler  que “a instalação de sistemas de videovigilância num prédio de habitação, em propriedade horizontal, envolve a restrição do direito de reserva da vida privada e apenas poderá mostrar-se justificada quando for necessária à prossecução de interesses legítimos e dentro dos limites definidos pelo princípio da proporcionalidade”.

Deste modo, o pedido deve ser submetido à Assembleia para aprovação de todos os condóminos, sem necessidade de posterior submissão à CNPD.

Numa outra perspectiva parece igualmente que a instalação dos meios de vigilância devem na fase pré-contratual do contrato de empreitada serem conhecidas do empreiteiro e preferencialmente plasmadas no contrato de empreitada (cabendo a este último obter idêntica autorização dos seus trabalhadores ou pelo menos afixar aviso). Na verdade, não obstante a instalação de câmaras de video vigilância no local de trabalho não seja proibida, desde que esteja em causa a segurança de pessoas e bens, ou quando a natureza particular da atividade profissional em causa o exija – como parecer ser o caso, importará que se encontrem salvaguardados os direitos dos trabalhadores e a sua privacidade (por exemplo tendo em atenção o ângulo das câmaras).

Em conclusão, a utilização de tecnologias para a fiscalização da empreitada não é proibida mas o seu uso encontra-se fortemente condicionado ao respeito dos direitos alheios.

Guia prático para aplicação do Regulamento de Protecção de Dados em pequenas e médias empresas

Com a entrada em vigor do novo Regulamento de Proteção de Dados no passado dia 25 de maio de 2018 e no periodo subsequêntes foram muitas as questões suscitadas por cliêntes e colegas sobre o impato desta medida na sua realizade quotidiana. Sendo o objetivo destas novas regras a devolução aos cidadãos europeus do controlo sobre os respetivos dados pessoais é nosso dever tornar acessível informação jurídica sobre o assunto, que em qualquer dos casos, pela sua generalidade não dispensa consulta de advogado ou solicitador. É esse ensaio que fazemos nas próximas linhas, advertindo-se que os exemplos fornecidos devem ser adaptados à realidade das empresas ou instituições, valendo com mera sugestões de tratamento dos dados pessoais.

Dados protegidos. O Regulamento de Proteção de Dados exige às empresas e aos prestadores de serviços que expliquem aos utilizadores de que forma vão utilizar a informação que é recolhida e para que fins, de que forma será processada e qual será o período durante o qual será guardada. Além disso, também passa a existir o direito dos clientes, parceiros e trabalhadores da empresa a serem informado sobre a localização dos dados, podendo pedir às empresas que retifiquem ou apaguem definitivamente as suas informações pessoas – o chamado direito a ser esquecido.

Dados recolhidos de clientes. Entre os dados pessoais recolhidos dos clientes ao longo dos anos ou através de formulários em papel o regulamento quer proteger a morada, localização, informação de saúde, rendimento, perfil cultural ou IP de dispositivo.

O Regulamento Geral da Proteção de Dados (RGPD) não exige reconfirmação para enviar comunicações, mas muitas empresas estão a optar à cautela por enviar e-mail de reconfirmação e alteraram as suas políticas de privacidade dos seus sites, uma vez que entre as obrigações do diploma encontra-se a de controlar as circunstâncias em que foi obtido o consentimento dos titulares.

Estas matérias veem tratadas nos artigos 2º a 4º do Regulamento.

Exemplo de email a enviar a clientes incluídos na base de dados da empresa

Para que possa continuar a receber as nossas informações relacionadas com campanhas, novos produtos e outras informações do seu interesse, necessitamos do seu consentimento livre, específico, informado e explícito. Por esta razão, caso não pretenda receber as nossas comunicações e informações, clique em REMOVER ou contacte o nosso Responsável pela Proteção de Dados através do seguinte endereço de e-mail…..

Exemplo de Política de Privacidade

Nos termos do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), a ….. (nome da empresa) não guardará os dados pessoais do Utilizador, exceto nas seguintes situações:

 Cookies

Uma cookie é um arquivo que é descarregado para o equipamento do utilizador da internet como resultado do seu acesso e navegação em certas páginas, permitindo que se armazene e recupere informações. Essa informação é variada sendo maioritariamente sobre os hábitos de navegação do utilizador e da forma como utilizam e pesquisam as informações constantes na página. O objetivo das cookies é melhorar a navegação na internet, conhecer melhor o utilizador e poder oferecer uma experiência personalizada durante a sua visita a certas páginas. Para obter mais informações, veja a nossa Política de Cookies.

 Formulário de Contacto

A …. (nome da empresa) recolhe e processa a informação que o Utilizador preencheu e consentiu partilhar no âmbito da relação profissional estabelecida. A …. (nome da empresa) não partilhará os dados do Utilizador com outras entidades, mas guarda os seus dados por tempo indeterminado até à conclusão do pedido de contacto. Conforme o RGPD, o Utilizador tem poder solicitar a retificação, cancelar a receção do envio de informação e a eliminação de toda a informação armazenada nas bases de dados da empresa a qualquer momento. Para tal basta enviar um e-mail para o Responsável do Tratamento de Dados … (indicar endereço de email do responsável pelo tratamento).

Conta de Cliente

O Utilizador ao criar uma Conta de Cliente está a consentir a ….. (nome da empresa) tenha o possibilidade de tratar, guardar e utilizar os dados até que sejam dadas instruções para que sejam alterados ou apagados os seus dados. A qualquer momento o Utilizador pode aceder aos seus dados, alterá-los ou apagá-los.

Dados sensíveis. O regulamento define ainda o conceito de dados sensíveis que estão sujeitos a proibição ou a condições específicas para o seu tratamento. Entre os exemplos de dados sensíveis encontram-se os dados genéticos ou biométricos, a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, ou a filiação sindical, relativos à saúde ou dados relativos à vida sexual ou orientação sexual de uma pessoa. Existem, contudo, exceções que resultam do consentimento do próprio ou da necessidade de cumprimento de obrigações (por exemplo laborais ou com a Segurança Social) mas que obrigam à intervenção de um responsável pela proteção de dados.

Esta matéria vem tratada no artigo 9º do Regulamento de Protecção de Dados.

Responsável pelo tratamento de dados. Por via de regra a existência de um Responsável pelo Tratamento do Dados não é exigível numa pequena e média empresa, que não tenha no seu objeto social uma atividade principal o tratamento de dados (por exemplo uma empresa de telecomunicações, um banco, uma seguradora, um hospital) ou não faço um tratamento de dados em massa diretamente ou como subcontratante (dados de doentes, dados de viagens, dados disponibilizados a empresas de publicidade, a consultoras financeiras ou na área da saúde, as bases de dados de clientes de hipermercados, bancos, seguradoras). Em regra, as bases de dados de clientes, parceiros e trabalhadores que implicam o tratamento de dados não obrigam a um Responsável pelo Tratamento de Dados, mas tal é recomendado numa base voluntária.

O Responsável pela Protecção de Dados pode ser um quadro da empresa. No caso de pequenas e médias empresas a escolha do Responsável pela Protecção de Dados pode recair sobre um trabalhador da empresa com funções de responsabilidade junta da gerência ou administração da empresa ou sobre um terceiro contratado. Não é contudo necessário contratar um novo trabalhador apenas atribuir a função a um quadro já existente da empresa desde que não exista “conflito de interesses” (pelo que pensamos que não deve ser ninguém com funções de gerente ou administrador da empresa).

As funções do Responsável pelo tratamento de Dados são (a) a verificação da conformidade dos procedimentos da empresa com o Regulamento da Protecção de Dados, avaliação do impacto da Protecção de dados e resposta aos pedidos de alteração e eliminação dos dados por parte de clientes, parceiros e trabalhadores, e contacto com as autoridades de proteção de dados.

A regras constam dos artigos 37º a 39º do Regulamento de Protecção de Dados.

Registo. O regulamento obriga a manter um registo documentado de todas as atividades de tratamento de dados pessoais. As organizações são obrigadas a demonstrar o cumprimento de todos os requisitos decorrentes da aplicação do regulamento pelo que convém manter um dossier organizado sobre esta matéria, que inclua as autorizações concedidas de tratamento e os pedidos de retificação ou eliminação de dados das bases de dados de cliente, parceiros e colaboradores, bem como o nome e contactos do Responsável pela Protecção de Dados, se aplicável.

Esta matéria vem prevista no artigo 30º do Regulamento de Protecção de Dados.

Dados dos trabalhadores e tratamento de dados por trabalhadores. O regulamento de proteção de dados também protege os trabalhadores. E também importa que os trabalhadores da empresa que tratam dados de clientes estejam sujeitos à regras do Regulamento, até para salvaguardar os parceiros de negócio da empresa. Há duas modalidades que podem ser adotadas e que passam pela revisão dos contratos de trabalhos ou a adoção pela empresa de um Código de Conduta.

Exemplo de aditamento ao Contrato de Trabalho

Entre:

XXXXXXX, com sede no XXXXXXXX, pessoa coletiva n. XXXXXX, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de XXXXXX sob o mesmo número, com o capital social de € XXXXX, neste ato representada por XXXXXXXX na qualidade de Gerente com poderes para o ato,

E______, adiante designado como trabalhador

É celebrada a presente adenda ao contrato de trabalho entre as partes outorgado no dia __/__/____, passando o mesmo a incluir as seguintes clausulas:

Cláusula Primeira

(Obrigações do empregador)

Em matéria de tratamento e proteção de dados a Primeira Contraente obriga-se a:

(a) Informar os seus colaboradores sobre a existência de ficheiros e sobre os dados pessoais que lhes digam respeito, respetiva finalidade, bem como sobre a identidade do responsável pelo tratamento, sempre que tal seja solicitado por escrito.

(b) Retificar e atualizar no prazo de 30 dias os dados constantes dos seus ficheiros, bases ou bancos de dados a ele respeitantes, bem como a verificar a efetiva retificação dos dados sempre que estes sejam reutilizados, quando lhe seja solicitado pelos seus trabalhadores.

(c) Respeitar e dar seguimento aos pedidos de eliminação de dados dos seus ficheiros e bases de dados dos trabalhadores que solicitarem e se opuserem ao tratamento.

(d) Não transmitir dados a terceiros, sem que que o seu titular o solicite e autorize.

(e) Manter um encarregado pela proteção de dados.

Cláusula Segunda

(Obrigações dos trabalhadores)

O Segundo Contraente encontra-se obrigado a guardar segredo no tratamento dos dados pessoais de clientes, parceiros e colegas, nomeadamente de não poder revelar ou utilizar os mesmos, a não ser em casos em que a lei obrigue, nomeadamente quando as entidades públicas exijam a transmissão de dados.

Cláusula Terceira

(Dados Pessoais)

1- Sem prejuízos dos direitos e obrigações estabelecidos neste contrato, o Segundo Contraente obriga-se a aceitar o tratamento dos seus dados pessoais, designadamente os que constem do seu contrato de trabalho e outros possam ser relevantes para o exercício da sua atividade, por parte da Primeira Contraente, permitindo, desde já, que estes sejam divulgados para as empresas parceiras e aos seus superiores.

2 – A Primeira Contraente obriga-se e compromete-se a facultar os dados – identidade e contactos do responsável pelo tratamento, finalidades do tratamento, o seu fundamento jurídico e os seus destinatários – que se encontrem inerentes a esse mesmo tratamento, bem como a eliminá-los com a maior brevidade possível, sempre que os mesmos deixem de ser necessários

Cláusula Quarta

(Transmissão dos Dados Pessoais)

Os Segundo Contraente consente e admite como sendo estritamente necessária a transmissão dos seus dados pessoais aos parceiros da primeira, sempre que tal seja necessário para que sejam adjudicados aos serviços dos mesmos.

Cláusula Quinta

(Breach of Safety)

As partes encontram-se obrigadas a comunicar ao responsável pelo tratamento de dados e à Comissão Nacional de Proteção de Dados, a existência de uma violação dos dados pessoais, que seja suscetível de implicar um elevado risco, no prazo máximo de XXXXX horas.

Cláusula Sexta

(Incumprimentos)

O Segundo contraente é responsável disciplinarmente pela violação ou transmissão ilegal

dos dados dos clientes, parceiros e colegas que a XXXXXXX (nome da empresa) possua na sua base de dados.

2.Essa responsabilidade será aferida através de procedimento disciplinar que poderá culminar

com uma das sanções previstas no Código do Trabalho.

3.Para além da sanção que venha a ser aplicada, a Primeira Contraente poderá imputar ao funcionário que transmitiu ilegalmente os dados, que o mesmo assuma as coimas que a CNPD venha a aplicar ou indeminizações no âmbito de relações contratuais com clientes e parceiros.

O remanescente do contrato de trabalho manter-se-á inalterado, com a exceção da correção da numeração das cláusulas.

Este aditamento é assinado em duplicado, destinando-se um exemplar a cada um dos Outorgantes, composto por 2 (Duas) folhas, sendo a última assinada e as demais rubricadas por cada um dos Contraentes.

Exemplo de Código de Conduta

CÓDIGO DE CONDUTA

Os Códigos de Conduta são um importante instrumento de autorregulação, que facilita o cumprimento das normas e promove uma maior transparência de práticas e procedimentos. Com a entrada em vigor do Regulamento Geral de Proteção de Dados ( RGPD ) impõe-se igualmente que as empresas e os seus trabalhadores tenham especiais cuidados quanto ao tratamento do dados pessoais. Neste quadro e nos termos do art.º 40º do Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD) e da legislação laboral em vigor estabelece-se o seguinte:

1.º Cláusula – Obrigações da XXXXXX (nome da empresa)

Em matéria de tratamento e proteção de dados a XXXXXX (nome da empresa) obriga-se a:

(a) Informar os seus colaboradores sobre a existência de ficheiros e sobre os dados pessoais que lhes digam respeito, respetiva finalidade, bem como sobre a identidade do responsável pelo tratamento, sempre que tal seja solicitado por escrito.

(b) Retificar e atualizar no prazo de 30 dias os dados constantes dos seus ficheiros, bases ou bancos de dados a ele respeitantes, bem como a verificar a efetiva retificação dos dados sempre que estes sejam reutilizados, quando lhe seja solicitado pelos seus trabalhadores.

(c) Respeitar e dar seguimento aos pedidos de eliminação de dados dos seus ficheiros e bases de dados dos trabalhadores que solicitarem e se opuserem ao tratamento.

(d) Não transmitir dados a terceiros, sem que que o seu titular o solicite e autorize.

(e) Manter um encarregado pela proteção de dados.

2.ª Cláusula – Obrigações dos Colaboradores

Os trabalhadores da XXXXXXXX encontram-se obrigados:

A cumprir com as disposições constantes do presente Código de Conduta, com as disposições normativas que regulem não apenas a atividade exercida pela empresa como também as politicas e procedimentos internos da empresa.

A conhecer e cumprir as normas acima identificadas.

A, sempre que tal seja necessário, buscar apoio, orientação dos seus imediatos superiores hierárquicos.

A guardar segredo no tratamento dos dados pessoais de clientes, parceiros e colegas, nomeadamente de não poder revelar ou utilizar os mesmos, a não ser em casos em que a lei obrigue, nomeadamente quando as entidades públicas exijam a transmissão de dados,

A relatar quaisquer factos que possam configurar o incumprimento ou risco de incumprimento das políticas internas e externas da empresa e as normas do presente Código.

3.ª Cláusula – Dados Pessoais

1- Sem prejuízos dos direitos e obrigações estabelecidos neste Código os Colaboradores da XXXXXXX consentem no tratamento dos seus dados pessoais, designadamente os que constem do seu contrato de trabalho e outros possam ser relevantes para o exercício da sua atividade, por parte da mesma, permitindo, desde já, que estes sejam divulgados para as empresas parceiras e aos seus superiores.

2 – A XXXXXXXX obriga-se e compromete-se a facultar os dados – identidade e contactos do responsável pelo tratamento, finalidades do tratamento, o seu fundamento jurídico e os seus destinatários – que se encontrem inerentes a esse mesmo tratamento, bem como a eliminá-los com a maior brevidade possível, sempre que os mesmos deixem de ser necessários

4.º Cláusula – Transmissão dos Dados Pessoais

Os Colaboradores da XXXXXXX consentem e admitem como sendo estritamente necessária a transmissão dos seus dados pessoais aos parceiros da primeira, sempre que tal seja necessário para que sejam adjudicados aos serviços dos mesmos.

5.ª Cláusula – Breach of Safety

Todas as Partes integrantes do presente Código encontram-se obrigadas a comunicar ao responsável pelo tratamento e à Comissão Nacional de Proteção de Dados, a existência de uma violação dos dados pessoais, que seja suscetível de implicar um elevado risco, no prazo máximo de XXXX horas.

6.ª CLÁUSULA – Incumprimentos

1.Todos os colaboradores são responsáveis disciplinarmente pela violação ou transmissão ilegal

dos dados dos clientes, parceiros e colegas que a XXXXXXX possua na sua base de dados.

2.Essa responsabilidade será aferida através de procedimento disciplinar que poderá culminar

com uma das sanções previstas no Código do Trabalho.

3.Para além da sanção que venha a ser aplicada, a XXXXXXXX poderá imputar ao funcionário que transmitiu ilegalmente os dados, que o mesmo assuma as coimas que a CNPD venha a aplicar ou indeminizações no âmbito de relações contratuais com clientes e parceiros.

Elaborado em colaboração com a Dra. Helena Oliveira

Garantia de bom funcionamento no contrato de locação de bens móveis

Da informalidade do aluguer de equipamentos móveis

O contrato de aluguer de equipamentos móveis suscita frequentes dúvidas relativas às garantias para bom cumprimento do mesmo, quer para o locador, quer para o consumidor.

Desde logo, estas formas contratuais caracterizam-se pela informalidade, quando relativas a pequenos equipamentos de uso domésco, sendo a troca de emails ou um formulário eletrónico a base contratual.

Ora, um contrato é o acordo pelo qual duas ou mais partes ajustam reciprocamente os seus interesses, dando-lhes uma regulamentação que a lei traduz em termos de efeitos jurídicos – Galvão Telles, Direito das Obrigações, V Edição, pág.55

Ou seja, celebrando este acordo ao abrigo da liberdade contratual prevista no art.405º CC as partes assumem obrigações. A obrigação, nos termos do artigo 397.º é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação.

O contrato dispõe assim de eficácia jurídica inter partes e esta eficácia determina, nos termos do artigo 406.º do Código Civil, que o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.

Nestes casos o contrato celebrado é um contrato de locação, mais propriamente um contrato de aluguer uma vez que respeita a coisas móveis e portanto, está assim sujeito ao regime contido nos artigos 1023º e seguintes do Código Civil.

Em termos gerais, a celebração de um contrato, nomeadamente, um contrato de aluguer dispõe de força jurídica e o seu cumprimento pode ser exigido por qualquer uma das partes, independente da informalidade patenteada.

Da responsabilidade contratual

Em primeiro lugar cumpre referir que a responsabilidade pela coisa locada, por parte do locatário é prevista em sede do regime do contrato de locação, nomeadamente nos arts. 1038º alínea d), h), i), e, para o que aqui nos interessa, mais propriamente nos artigos 1043º e 1044º do Código Civil.

Assim, nos termos do art. 1043º:

  1. Na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.
  2. Presume-se que a coisa foi entregue ao locatário em bom estado de manutenção, quando não exista documento onde as partes tenham descrito o estado dela ao tempo da entrega.

E nos termos do artigo 1044º:  o locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa, não exceptuadas no artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela.

Por norma, em sede de cada contrato o legislador prevê a responsabilidade que cabe às partes, contudo sempre é possível recorrer ao regime geral de responsabilidade civil.

A responsabilidade civil pode ser classificada em responsabilidade civil delitual, (ou extracontratual) e responsabilidade obrigacional (ou contratual).

Assim, a responsabilidade civil pode, no que ora nos interessa, verificar-se no âmbito de um contrato, gerada pelo incumprimento de uma das partes, conforme resulta dos artigos 798º e ss do Código Civil.

Estatui o artigo 798º do Código Civil que o devedor que falta culposamente ao cumprimento de uma obrigação torna-se responsável pelo prejuízo causado ao credor. A responsabilidade traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado. Sendo um dos pressupostos de indemnizar, a lei prevê, para além do dolo, a culpa, como um dos requisitos a qual se presume em sede contratual.

Este dever de indemnizar compreende não só os prejuízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão — artº 564º do Código Civil. O prejuízo surge, pois, como um elemento novo a acrescer ao facto ilícito e à culpa, sem o qual o agente não se constituiria na obrigação de indemnizar.

Os danos podem ter um conteúdo económico (danos patrimoniais) abrangendo os danos emergentes (efetiva diminuição do património do lesado) , o prejuízo causado nos seus bens, e o lucro cessante (os ganhos que se frustraram por causa do facto ilícito) , ou imaterial (danos não patrimoniais ou morais, que resultam da ofensa de bens de carácter espiritual ou morais, e que não sendo suscetíveis de avaliação pecuniária, podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesante).

A reparação dos danos deve efetuar-se em princípio mediante uma reconstituição natural, isto é, repondo-se a situação anterior à lesão; mas quando isso não for possível, ou não repare integralmente os danos, ou seja, excessivamente onerosa para o devedor, então haverá que subsidiariamente fixar‑se a indemnização em dinheiro – cfr. artsº 562º e 566º do Código Civil.

Das garantias

Nos termos do artigo 232.º o contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado, em todas as cláusulas sobre as quais, qualquer delas tenham julgado necessário tal acordo.

Ora tendo sido acordado o ressarcimento, e mesmo que não tivesse sido acordado, o princípio da boa fé que vigora desde a celebração do contrato até o seu cumprimento/fim, impõe que a parte aja com diligência e no caso de danos que repare os mesmos. O que aliás é também imposto pelo regime da responsabilidade civil, como acima se verificou.

Contudo, para uma maior segurança pode o locador autenticar o contrato perante notário, advogado ou solicitador e desta forma o mesmo servirá de título executivo pois nos termos do art.º 703º alínea b) do Código de Processo Civil à execução podem servir de base os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.

Com este título executivo pode o locador em sede de ação executiva exigir o cumprimento das obrigações resultantes do contrato, nomeadamente a reparação dos danos ou indemnização pelos mesmos.

No caso de não autenticar o documento, dispõe de outra alternativa para conseguir título executivo, a saber:  a injunção – que é nos termos do art.º 7º do Anexo ao Decreto-Lei 269/98 de 1 de Setembro, a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações (no que aqui interessa) emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000.

A valoração dos antecedentes criminais na determinação da medida da pena

No processo de determinação da medida concreta da pena nos termos do artigo 71º do Código Penal mostram-se critérios informadores daquele processo “a culpa do agente” e “as exigências de prevenção”.

Como exemplarmente escreve Figueiredo Dias “as circunstâncias devem ser aferidas ‘em função da culpa do agente de das exigências de prevenção’. Cada circunstância tem uma conexão de sentido com a culpa do agente ou com as necessidades de socialização ou inocuização do agente. No primeiro caso, a circunstância releva para a determinação da pena em virtude de ela agravar ou atenuar a culpa. No segundo caso, a circunstância releva para a determinação da pena em virtude de ela agravar ou atenuar as necessidades preventivas de sociabilização ou inocuização do agente” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993:248).

Nesta tarefa – com salienta Anabela Miranda Rodrigues – “é o juiz auxiliado pelo artigo 72º Nº2 do Código Penal, o qual depois de estabelecer que aquele atenderá, na determinação da pena, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, enumera de forma exemplificativa, alguns dos fatores de medida da penade caracter geral.

Aí com relevância concreta no caso subjudice encontra-se o facto de “ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta”.

Por outro lado, como sabemos resultar do princípio in dubio pro reu e bem salienta Paulo Pinto de Albuquerque, no “concurso de circunstâncias modificativas agravantes e atenuantes, deve funcionar a circunstância mais grave e, em relação à moldura apurada, sucessivamente as circunstâncias modificativas atenuantes” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2ª Edição. P. 272).

Isto significa que num caso concreto, e em benefício do arguido na determinação da medida concreta da pena, e depois na decisão de suspender a pena efetiva de prisão, devem operar em cumulação todos os factos que o beneficiam (por exemplo terem decorrido um número significativo de anos sobre a prática dos factos, a reintegração profissional, a inexistência da prática de crimes por um período largo de tempo); sendo que ao invés quanto aos factos que não abonam a seu favor (designadamente os antecedentes criminais e as diversas penas privativas de liberdade que sofreu em virtude de práticas desconformes ao direito) só podem operar uma vez.

Fala a este propósito a doutrina e jurisprudência em princípio da proibição da dupla valoração para significar que circunstâncias já valoradas no apuramento dos pressupostos da responsabilidade criminal ou das medidas parcelares, não podem novamente ser considerada para efeitos de determinação da medida concreta da pena ou mesmo das opções quanto a não suspensão da pena única (V. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2ª Edição. P. 272. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2016 in www.dgsi.pt ).

Neste sentido, e quanto à decisão de suspensão, escreve Anabela Rodrigues, “a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena – o da determinação da medida concreta da pena de prisão – não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção (Anabela Rodrigues, Critério de Escolha das Penas de Substituição no Código Penal Português, 1988, pp. 24 e segs.).

Estas orientações serviram de base a decisões recentes do Tribunais Superiores, de entre as quais glosamos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/09/2013 (http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/cbbe5838c9aeb09680257bfe00471f9c?OpenDocument)

“Na operação de escolha da pena, a aplicação da pena de substituição impõe-se quando se verificam os seus pressupostos materiais, o que exige que se ponderem as razões de prevenção especial (carência de socialização do arguido) e que simultaneamente fique salvaguardado o “limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica”. Ou seja, quando se está na fase da escolha da pena (momento posterior ao da determinação da medida concreta da pena), o tribunal pondera as exigências de prevenção especial que se fazem sentir no caso concreto e, caso estas sejam satisfeitas através da aplicação de uma pena de substituição, não pode deixar de aplicar a pena de substituição se esta igualmente realizar as exigências mínimas (que são irrenunciáveis) de prevenção geral positiva”.